A oferta pletórica e quase totalmente livre e gratuita de bens culturais, graças ao desenvolvimento da comunicação digital e da net em particular, criou novos problemas que nem a economia nem a cultura podiam prever. É verdade que as questões da superabundância e da sobreprodução pairam desde há mais de um século sobre o capitalismo e tornaram-se até um objecto de elaborações teóricas sobre o fim do regime. Mas a situação apresenta aspectos completamente novos, incrustados em velhos princípios e condições: nada é completamente gratuito – o produto que chega até nós gratuitamente serve para vender coisas que nem se vêem imediatamente e faz o dinheiro, também invisível, circular por canais que passam à distância de quem cria e produz; e nada é completamente imaterial - já houve mesmo quem explicasse que os dejectos dos telemóveis e dos computadores irão revelar-se, em termos ecológicos, “bombas de destruição maciça”. Quem já nasceu nesta época da cultura free e pletórica não pode compreender que a geração anterior, a dos pais, tenha assistido, em 1964, em França, a uma violenta polémica que teve como motivo o livro de bolso. A inaugurá-la, esteve o semiólogo e historiador de arte Hubert Damisch, que vituperou a “culture de poche”, a cultura de bolso, e a vulgarização que ela significava. Prolongando sob a forma de inquérito as considerações de Damisch, a revista de Sartre, Les Temps Modernes, dedicou ao tema um dossier. E os escritores Henri Michaux e Julien Gracq recusaram que as suas obras fossem “reduzidas” a livros de bolso. Pouco depois, ecoando um pouco essa polémica, o poeta e ensaísta alemão Hans Magnus Enzensberger dedicou ao livro de bolso um capítulo do seu ensaio sobre a “indústria da consciência”. Com este conceito, Enzensberger quis formular uma crítica e superar o conceito de “indústria cultural”, de Adorno e Horkheimer, por entender que tal conceito resultava de uma enorme “ilusão óptica”. O seu argumento principal era o de que essa coisa impropriamente chamada indústria cultural não é uma indústria que produz cultura, nem sequer é uma indústria que produz qualquer coisa, na medida em que produzir não é o que lhe interessa, mas sim a mediação derivada do produto. Na sua perspectiva, é a consciência que é induzida, mediada e reproduzida – mas não produzida – industrialmente. Estes conceitos podem ainda ajudar-nos a pensar, mas na condição de os colocarmos sob reserva e termos consciência dos seus limites (por exemplo: tanto para Adorno e Horkheimer como para Enzensberger havia uma diferença irredutível, impossível de sustentar hoje, entre a “alta cultura” e a cultura de massas). Mas eles dão-nos a ver que aquilo que dantes apelava aos termos da produção e da indústria suscita actualmente referências à economia. Por issoé que se começou a falar nos últimos tempos de uma “economia da atenção” (o seu grande teórico é o francês Yves Citton). Esta economia vem desorientar completamente os princípio e os cálculos dos economistas ortodoxos, na medida em que faz entrar em linha de conta um bem que se tornou precioso a partir do momento em que emergiu a nova situação de superabundância e se multiplicaram os estímulos que nos fazem mudar rapidamente de focalização, muito especialmente na cultura e na informação, onde o regime é tendencialmente free. Esse bem é a atenção, isto é, a concessão do nosso tempo disponível. É por esse bem que lutam hoje todos os mercados. Nesta luta há uma entidade invencível: graças a um algoritmo que ocupa o lugar de Deus, a Google é um titã da economia da atenção.
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