A ilusão do financiamento a 100%

É crucial compreender os custos reais de não dar uma entrada inicial, algo que o executivo não comunicou adequadamente.

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Garantia pública no crédito habitação para jovens Daniel Rocha
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2025 trouxe a efectivação do financiamento a 100% para jovens com menos de 35 anos na compra de casa. Esta medida foi anunciada como uma solução inovadora para a crise habitacional e recebida com grande entusiasmo dentro do público-alvo, no entanto, e embora tenha sido promovida pelo governo como um passo decisivo para aliviar as dificuldades da geração mais jovem, a sua eficácia para resolver os problemas económicos subjacentes permanece questionável. Na prática, não me parece ser suficiente para enfrentar os desafios estruturais que limitam o acesso dos jovens à habitação e à estabilidade financeira.

À primeira vista, financiar uma casa a 100% parece uma solução sem desvantagens óbvias — mas é crucial compreender os custos reais de não dar uma entrada inicial, algo que o executivo não comunicou adequadamente. Ao financiar 100% do valor, os juros aplicam-se sobre o montante total, o que resulta num custo total significativamente mais elevado, com prestações mensais mais altas.

Por exemplo, numa casa de 200.000 euros com uma taxa de juro de 3% e num prazo de 40 anos, com os típicos 10% de entrada e sem contar com todos os outros custos associados, os jovens pagariam no final do empréstimo cerca de 310.000 euros. Sem a entrada de 20.000 euros, o montante pago ascende a cerca de 344.000 euros, ou seja, muito mais do que o valor da entrada.

Além disso, com o limite máximo de 35% de taxa de esforço imposto pelo Banco de Portugal, muitos jovens que supostamente beneficiariam da medida continuarão excluídos do crédito. Estamos, portanto, a implementar medidas que favorecem aqueles que já têm alguma capacidade financeira e não quem mais precisa delas. Na prática, a medida parece beneficiar os jovens com estabilidade financeira, que podem investir os 10% de entrada em produtos financeiros de maior retorno, enquanto pagam juros mais baixos sobre o empréstimo e ressalvo que este cenário exige um nível de literacia financeira e disciplina que a maioria dos portugueses não possui.

O verdadeiro problema no mercado habitacional português é a falta de oferta, agravada pela procura estrangeira e pelo foco da construção no segmento de luxo. A medida foca-se apenas em estimular a procura, sem abordar a verdadeira raiz do problema. Seria previsível que o PSD criticasse o PS se esta medida fosse proposta por este último.

Se queremos realmente resolver a crise da habitação, precisamos de políticas que aumentem a oferta de habitação acessível e promovam o arrendamento a preços justos, além de rever a tributação de propriedades desocupadas. Medidas como a construção de habitação pública e a regulação de incentivos para o mercado de arrendamento poderiam criar um equilíbrio mais saudável entre oferta e procura, beneficiando não apenas os jovens, mas todos os que enfrentam dificuldades no acesso a habitação digna.

A reflexão sobre o papel do Estado na garantia do direito à habitação é fundamental – o governo está a agir para minimizar a emigração predominante na faixa etária em questão ou está a perpetuar um sistema que beneficia os mais ricos? A resposta a esta questão poderá definir o rumo das políticas públicas nos próximos anos, especialmente na habitação.

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