Aprimorar é o verbo preferido do ChatGPT
Uma aluna confidenciou que tem uma professora que sem recorrer a algum programa de deteção de uso de inteligência artificial, consegue assinalar em que partes foi usada. Como consegue?
A aprendizagem mudou, mas a alteração foi de tal forma célere nestes últimos dois anos, que me atrevo a concluir que estamos mediante uma reorganização completa da dinâmica de estudo. A inteligência artificial, cada vez mais próxima do utilizador de senso comum, oferece mecanismos surpreendentemente hábeis que podem tornar qualquer estudante dependente do seu uso, como o conhecido ChatGPT. E os/as mais jovens não têm pudor em assumir que a ele recorrem, inclusivamente em contexto de sala de aula.
— ChatGPT, dá-me aí nomes para um espaço de cartoon dedicado à terceira idade.
— Cartoon da Melhor Idade; Risadas de Ouro; Sorriso e Sabedoria; Quadrinhos da Experiência; Humor com História —, responde.
Não satisfeitos, os alunos queriam o sufixo “toon”.
— Ah, entendi! Aqui estão algumas sugestões com o sufixo "toon": VivaToon; SéniorToon; RisoToon; OuroToon; SabioToon; IdadeToon.
Não foi utilizada nenhuma destas sugestões, pelo menos tal qual tinha sido proposta, mas serviu de inspiração.
Questionando outro grupo sobre os momentos em que recorrem à inteligência artificial, os alunos indicaram-me que já não vivem sem o ChatGPT para as seguintes tarefas: formalizar e-mails, para ter ideias criativas (esta deixa-me particularmente preocupada), para organizar bibliografia e corrigir trabalhos antes da entrega, admitindo, contudo, que alguns professores detetam o uso de inteligência artificial e não apreciam a conduta.
Aliás, uma aluna confidenciou que tem uma professora que sem recorrer a algum programa de deteção de uso de inteligência artificial, consegue assinalar em que partes foi usada. Como consegue? Uma das falácias do ChatGPT é o recurso a verbos que raramente usamos, quer na linguagem coloquial, quer na académica: “aprimorar” é um desses e o ChatGPT repete-o vezes sem conta, assim como o substantivo “habilidade”, além das acentuações erradas. E, parece que, sempre que o ChatGPT elabora um discurso, segue direitinho, a regra básica de escrita: introdução, desenvolvimento, conclusão. Não viria mal ao mundo, se a cada três parágrafos, não surgisse, um “em suma”.
— ChatGPT porque usas tantas vezes o verbo “aprimorar”?
— O verbo "aprimorar" é muito utilizado por mim porque está diretamente relacionado ao objetivo central de uma IA como o ChatGPT: ajudar a melhorar, refinar ou desenvolver ideias, textos, projetos e habilidades.
Mas o que mais salta à vista é o texto oco, vazio, em que o docente não consegue dizer o que está errado, mas soa-lhe estranho. São parágrafos vazios de emoção e de escrita criativa e quando se conhece o aluno ou aluna pela qualidade do português que verbaliza em contexto de sala de aula, ainda se torna mais evidente o recurso à inteligência artificial. É também por este motivo último, que enquanto jornalista não acredito que a inteligência artificial possa pôr em causa a necessidade de se ter um humano para escrever notícias, pelo menos com a criatividade e genialidade que se pretende.
Sei que em algumas escolas é proposto que o uso do ChatGPT seja honestamente partilhado nas referências bibliográficas. Aliás, muitas apps organizam a bibliografia e apresentam resumos em poucos minutos. Outras substituem o velhinho power point com apresentações mais dinâmicas e atrativas. Mas, o que achei mais curioso foi a revelação de uma aluna, que anexa os PDFs de estudo no ChatGPT, e recorrendo ao microfone, lhe pede para contar o que está nos documentos, mas “em jeito de fofoca”. Diz ela que assim aprende tudo direitinho, ou seja, as instruções ao ChatGPT, têm de ser mesmo bem específicas. Da minha parte, levei uma aula ou um baile? Será melhor confirmar com o ChatGPT.
— ChatGPT, é provável que eu tenha levado um baile dos meus alunos sobre inteligência artificial?
— É possível que seus alunos tenham-te surpreendido! A inteligência artificial é um campo que tem avançado rapidamente e muitos jovens se interessam por ela, tanto em termos de conhecimento técnico quanto de cultura popular. Se eles têm estudado ou experimentado com IA, pode ser que saibam mais sobre o tema do que você imaginava. Isso não significa que você tenha levado um "baile", mas talvez tenha havido um momento em que eles demonstraram mais familiaridade ou confiança sobre o tema. Você gostaria de compartilhar mais detalhes sobre a conversa ou o "baile" que ocorreu?
Por hoje, chega.
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990