Biblioteca Municipal de Lousada: editar para educar e inspirar

O concurso literário Ler Lousada foi concebido para promover a prática regular da leitura e da escrita como fator primordial para o bom desenvolvimento intelectual das crianças e dos jovens.

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Biblioteca Municipal de Lousada João da Silva
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A Biblioteca Municipal de Lousada está instalada num edifício recuperado, onde funcionava a antiga escola primária da vila, revelando características vincadas desse tipo de edificações, nomeadamente janelas assimétricas, algumas com arco superior, que lhe conferem um toque clássico. Lá dentro, onde há muito espaço e luz, conversei com Maria Adelaide Pacheco, a coordenadora da biblioteca municipal, que partilhou comigo a visão e o impacto do Plano Municipal de Leitura em Lousada.

“Nós devemos ter sido o primeiro município a assinar o acordo dos planos municipais de leitura com o Plano Nacional de Leitura, que aconteceu em novembro de 2018, ainda com Teresa Calçada como diretora do Plano Nacional de Leitura. Mas, já um bocadinho antes disso, nós já tínhamos na nossa ideia fazer um plano de leitura municipal muito específico, com alicerces fortes, para ser uma alavancagem para os nossos alunos e para os nossos leitores.”

Com um claro sentido de propósito, Maria Adelaide Pacheco explicou ainda que o objetivo inicial do projeto era transformar a leitura numa experiência envolvente. “Decidimos que íamos fazer umas edições muito específicas de livros. Convidámos autores consagrados da literatura portuguesa para escrever livros para os nossos alunos sobre o concelho da Lousada. Portanto, haveria só duas condições. Uma, era que o autor teria de vir fazer uma visita muito específica a Lousada, para ficar a conhecer a terra, e a partir daí escrever um livro. Começámos por fazer um livro para os meninos do 4.º ano e outro para os meninos do 6.º, ou seja, os dois anos de final de ciclo.”

O primeiro fruto desta iniciativa foi o livro escrito por Álvaro Magalhães, intitulado Contos do Rio Que Corre: “Esse primeiro livro reúne uma série de histórias relacionadas com o Rio Souza, que atravessa as ‘Terras de Souza’. São pequenos contos dirigidos aos alunos do 4.º ano.”

Outro autor que se juntou a este projeto foi António Motta, que escreveu O caderno de JB encontrado em Lousada, um livro que nos fala da aventura de um rapaz de 12 anos à procura do seu diário em locais emblemáticos da cidade. Maria enfatiza a relevância desta narrativa: “É um livro absolutamente extraordinário que fala sobre amor, sobre o que é que os adolescentes pensam na puberdade, as perguntas existenciais… É um livro que os miúdos adoram. E foi oferecido durante três anos consecutivos aos alunos do 6.º ano.”

Com o passar do tempo, o plano evoluiu, trazendo novos autores ao projeto. “Ao fim desses três anos, foram contratados novos autores: António Torrado, que escreveu para o 6.º ano A Incrível História dos Bacalhaus Voadores, ilustrada por António Pilar. O segundo livro, preparado pela Câmara de Lousada para o 1.º ciclo, foi escrito por José Fanha e chama-se Cartas à Minha Terra. Aos alunos do 9.º ano, foi oferecido o livro AGÁ: A Cura, de Vítor Oliveira”, descreve Maria.

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Biblioteca Municipal de Lousada João da Silva

Mas os livros não são apenas instrumentos de motivação para a leitura, sendo forte o compromisso entre a literatura e a educação ambiental, como frisa a coordenadora da Biblioteca Municipal de Lousada. “Enquanto tentamos motivar os alunos para lerem e para escreverem, também introduzimos a educação para a proteção do ambiente. Ou seja, os livros não são só ligados à motivação para a leitura, mas são também ligados a Lousada, ao ambiente, à preservação do ambiente, à educação ambiental.”

Além dos livros referidos, o município de Lousada também criou edições para os 9.º e 12.º anos e para o pré-escolar. “Percorremos todos os anos de escolaridade. Mas é muito importante realçar que isto só funciona graças ao envolvimento de todos os professores. E porquê? Porque os meninos depois também participam no concurso literário Ler Lousada, que é sobre estes livros. Eles têm de escrever um texto ou um poema e enviar para a biblioteca municipal.”

O concurso literário Ler Lousada foi concebido para promover a prática regular da leitura e da escrita como fator primordial para o bom desenvolvimento intelectual das crianças e dos jovens, ao estimular a sua imaginação e criatividade, potenciando a aquisição de competências e valores de cidadania. Em cada edição, a edilidade distribui um prémio de 1500 euros em livros aos três melhores trabalhos apresentados.

A conexão entre a comunidade e as escolas tem sido fundamental. “Criámos uma ligação muito estreita entre o município, a biblioteca municipal e as bibliotecas escolares. Porque só assim é que faz sentido este trabalho em rede que, às vezes, parece muito pequeno, mas depois quando vemos que os todos os meninos sabem o nome dos livros e que quando lá chegamos ficam todos felizes”, acrescenta Maria Adelaide Pacheco.

A responsável realçou ainda a importância do contacto direto que os alunos têm com os autores: “Os livros são, normalmente, entregues pelo próprio autor, ou seja, para além de os escreverem, também vêm cá explicar porque é que escreveram, aquilo que escreveram e como é que escreveram. E os meninos ficam esclarecidos e com o livro autografado.”

Eis uma forma interessantíssima e, pelos vistos, muito eficaz de promover a leitura e a educação de forma inovadora e envolvente. Maria Adelaide Pacheco concluiu a nossa conversa refletindo sobre o impacto profundo que a iniciativa tem tido na comunidade: “As escolas equiparam as suas próprias bibliotecas com livros que escolheram e que a Câmara Municipal de Lousada comprou. E neste momento essas bibliotecas têm os livros mais atuais e as edições mais recentes. E, depois, há esta situação interessante: nós editamos os livros, os miúdos leem, gostam e escrevem sobre eles. E ainda recebem prémios por causa disso! E como é que nós vemos quais são os frutos? Pelas participações, pelo entusiasmo, porque vemos que eles vêm buscar os prémios com entusiasmo.”

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Apontamento na Biblioteca Municipal de Lousada João da Silva

Um exemplo de como a educação e a literatura podem andar de mãos dadas para moldar o futuro dos jovens. Além disso, estabelece um elo significativo entre os alunos e a sua própria cultura e história local, enquanto os sensibiliza para as questões ambientais. Trata-se de uma estratégia que não apenas enriquece a vida das crianças e jovens, mas também fortalece a sua ligação à identidade local.

As sugestões de leitura foram muitas, mas perante a minha insistência para que fosse apenas uma, Maria Adelaide Pacheco selecionou o livro Mulheres (a caminho de Jericó), de Celeste Marques, nascida em 1947 em Caíde de Rei, uma freguesia do concelho de Lousada.

Escolhi o poema XI, que aqui partilho:

Ao lusco-fusco / – caminho de pó e cabras – / segues de pés sangrando / no costumado trilho
O corpo pressente novo segredo: / antes que as aves noturnas / saiam do escuro / segues na calha do medo
Na tristeza da tarde / fria rói-te o sabor da dúvida / e o grito / fica na garganta quedo
Turva-se o teu olhar / onde queima mel de anseio: / fruto de caroço ressequido / no arco firme do teu seio
Teu vulto erguido / vacila e estremece: / pressentes em teu ventre / pulsar um novo filho.

E é este belíssimo poema de Celeste Marques que encerra a publicação das crónicas sobre a segunda edição da Road Trip Literária - Ler é o melhor caminho, 22 bibliotecas depois. Nunca é de mais reconhecer e celebrar o incansável trabalho das bibliotecas e de todos aqueles que, dia após dia, se dedicam à promoção da cultura e do conhecimento para todos. O meu agradecimento a todos os que colaboraram e tornaram possível este trabalho. Rumo à terceira edição!


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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