Somos todos impostores

Enquanto os outros nos vêem como exemplos de sucesso, olhamos para dentro e só conseguimos identificar falhas e inseguranças. Ruminamos em sentimentos de perfeccionismo e superação constantes. Porquê?

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Existimos numa sociedade onde, por regra, a perfeição é o padrão, o sucesso é a moeda de troca e a comparação é a norma. Apesar deste cenário começar a mostrar sinais de mudança, é quase impossível escapar ao sentimento de insuficiência de que, por mais que façamos, nunca seremos verdadeiramente bons o suficiente. Talvez por isso, a síndrome de impostor seja uma experiência tão universal. No fundo, somos todos impostores… pelo menos nas nossas mentes.

A síndrome de impostor é aquela voz interna que sussurra — ou grita — que estamos sempre aquém das expectativas ou que não somos merecedores das nossas conquistas. Que chegámos onde estamos por sorte, ou porque os outros não perceberam, ainda, que não somos tão competentes quanto parecemos. É a “ansiedade de ser descoberto", uma sensação que assombra desde estudantes a professores, CEOs, artistas, desportistas, cientistas, mães, pais e avós.

Este sentimento de fraude resulta de uma desconexão entre a percepção interna e o que ocorre externamente, uma quase incapacidade de actualizarmos o nosso estado mental com o que efectivamente acontece. Enquanto os outros nos vêem como exemplos de sucesso, olhamos para dentro e só conseguimos identificar falhas e inseguranças. Ruminamos em sentimentos de perfeccionismo e superação constantes. Porquê?

Parte da resposta poderá estar na forma como o nosso cérebro funciona. Temos o córtex pré-frontal, que desempenha um papel fundamental no pensamento crítico e na análise de nós mesmos. Estas são ferramentas poderosas para o crescimento pessoal (e profissional), mas podem transformar-se em armadilhas quando não são compensadas com uma pitada de autocompaixão.

A amígdala, por outro lado, uma região cerebral que regula o medo, pode amplificar a ansiedade em situações de avaliação profissional ou desempenho social. E, por último, o sistema de recompensa (um circuito que envolve estas estruturas e outras), que deveria validar e celebrar as nossas vitórias e que é muitas vezes "silenciado" por bloqueios internos.

Mas há outro lado desta história: a sociedade. Em particular, a ocidental. Durante décadas, a cultura de perfeição que alimentámos, especialmente nas redes sociais, criou expectativas irreais. Somos constantemente bombardeados com casos de sucesso, vidas impecáveis e carreiras imaculadas. Por comparação, os nossos próprios esforços podem parecer, inevitavelmente, mais caóticos e deixar-nos com a impressão de que nunca estamos à altura.

Este medo de falharmos e de sermos julgados é, em certa medida, saudável. Mostra que somos humanos. No entanto, quando se reflecte numa espiral de auto-sabotagem que nos limita e impede de atingir metas pessoais/profissionais deve ser trabalhado. Talvez a solução imediata passe por uma mudança de perspectiva: aprender a aceitar a pressão de “parecer” perfeito, abraçar a imperfeição como parte do nosso progresso, celebrar pequenas conquistas e partilhar colectivamente as nossas preocupações.

Felizmente, a cultura de glorificação da perfeição começa a dar lugar a uma valorização da autenticidade, versatilidade e diversidade. Movimentos como a cultura anti-hustle (que dita que o “sucesso” não deve ser medido pela quantidade de horas trabalhadas ou stress suportado) e o aumento de discussões sobre saúde mental têm trazido uma nova visão: falhar é natural e partilhar vulnerabilidades é altamente encorajado. Há uma crescente aceitação de que os percursos não precisam de ser lineares e de que o “sucesso” não é um destino pré-definido, mas uma construção individual na qual evoluímos e nos reinventamos continuamente.

Desenganem-se os que acham que estão sozinhos nos seus sentimentos de inadequação ou impotência. Somos todos impostores. E, se todos o somos, talvez ninguém o realmente seja. O maior desafio talvez esteja em reprogramarmos a nossa relação com as incertezas, falhas e sucessos. O que nos tornará mais eficientes não é a ausência de dúvidas, mas a capacidade de avançar de braço dado com elas. No fim de contas, o verdadeiro mérito não está em nunca questionar o nosso verdadeiro valor, mas em aceitar que somos suficientes, tal como somos. É um exercício pessoal que se transforma num processo catártico.

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