Como podemos obrigar Portugal a exigir o fim do genocídio em Gaza?

Porque é que Portugal despreza o direito internacional? É esta a mensagem que o Estado passa aos portugueses, de que a lei só é para ser cumprida quando é conveniente?

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Sem comida.
Sem água potável.
Sem escolas.
Sem aquecimento.
Sem privacidade.
Sem cuidados de saúde.
Sem electricidade.
Sem abrigo seguro.
Sem jornalistas para testemunhar.
Sem moralidade…

Há 15 meses que é esta a realidade em Gaza e a culpa é do regime israelita, de quem o apoia e de quem é seu cúmplice, como Portugal é. Portugal condenou o Hamas, e bem, mostrou-se solidário com as mortes de israelitas inocentes, e bem, mas nada diz sobre Israel, e nada fez, nem uma bandeira pelas dezenas de milhares de mortos palestinos civis, entre 45 a 200 vezes em maior número do lado palestiniano, o que faz de nós, portugueses, cruéis, desumanos e xenófobos. Porque umas vidas contam, mas outras não, para o Estado Português.

“A forma como o governo israelita está a usar a memória do Holocausto, para justificar aquilo que estão a fazer aos palestinianos é um completo insulto para a memória do Holocausto e é repugnante. Quando eu vi o embaixador israelita das Nações Unidas colocar uma estrela amarela (ao peito) causou voltas ao estômago, para alguém, como eu e a minha família inteira, que teve que usar uma, isso é insultuoso. Aquilo que distingue o Holocausto judeu é a sua escala industrial, e os métodos industriais que foram usados. E aquilo que está a acontecer em Gaza é semelhante em termos de escala, dos bombardeamentos, e a forma indiscriminada dos bombardeamentos, e o total desprezo por crianças e mulheres, que são a maioria das vítimas, o que evidencia a escala industrial do genocídio.” Isto foi dito por Stephen Kapos, de 87 anos, judeu, um dos muitos sobreviventes do Holocausto que são peremptórios a afirmar “O genocídio em Gaza não está a acontecer em meu nome”, assim como incontáveis grupos de judeus já o afirmaram pelo mundo fora.

Mas o que me deixa absolutamente perplexo, triste, revoltado e envergonhado é que os meus representantes no Governo e na Presidência da República estão a fazer com que eu e mais 11 milhões de portugueses sejamos cúmplices de crimes, como p.e. matar crianças à fome, como arma de guerra. Eu não quero ser cúmplice, diria que a maioria dos portugueses, da esquerda à direita, que têm uma opinião sobre o assunto não querem ser cúmplices do crime mais horrendo da humanidade, e continuam a sê-lo por falta de coragem, falta de moral, e falta de vergonha de, pelo menos, Presidente da República, primeiro-ministro e ministro de Negócios Estrangeiros. E para que percebam que para mim não há qualquer “partidarite”, à excepção do primeiro, os outros foram, entretanto, substituídos, eram do PS e agora são do PSD, e nenhum teve coragem para fazer o que se impõe, legal e moralmente, e as consequências para o povo palestiniano e para a toda a humanidade serão eternas e gravíssimas.

Segundo as Nações Unidas, todos os Estados, ratifiquem ou não a Convenção de Genocídio, são obrigados por conclusão do Tribunal Criminal Internacional a evitar que um genocídio ocorra, mesmo fora do seu território nacional. Portanto, Portugal tem a obrigação legal de evitar um genocídio... e nada faz.

Porque é que Portugal despreza então o direito internacional? É esta a mensagem que o Estado passa aos portugueses, de que a lei só é para ser cumprida quando é conveniente?

Acho que é a primeira vez que escrevo um texto em que pergunto na esperança de que me ajudem a encontrar as respostas: como é que podemos obrigar Portugal a exigir o fim do genocídio em Gaza?

E não digam que somos pequenos e que não depende de nós, porque é mentira. Depende de todos, e cada pessoa e cada país tem de fazer o que está ao seu alcance.

É sem qualquer ironia que afirmo que sindicatos, greves e protestos na rua, de professores, polícias, enfermeiros, colectores do lixo (como agora em Lisboa), etc. sejam temas mais importantes para a maioria dos portugueses, e que com estas acções de luta consigam obrigar quem os representa a mudar ou moldar o seu posicionamento sobre determinada reivindicação. Mas, quanto aos direitos humanos, que eu sei que “todos” concordam serem prioritários, como base de uma sociedade, base da humanidade, como é que se obriga quem nos representa a não nos tornar cúmplices do extermínio de crianças, numa carnificina indiscriminada sem precedentes?

É com mais protestos na rua?
É com greves de fome?
É com cartoons com a cara de Paulo Rangel ou Marcelo com bigode à Hitler?
Mais arte de intervenção para acordar as pessoas anestesiadas com futilidades?
Há algum sindicato de direitos humanos?
Há alguma greve que possamos fazer?
Como? Como? Como? Como se acaba de imediato com a nossa cumplicidade?

Bastava duas tomadas de posição nada radicais ou extremadas:

  • Reconhecer ou mostrar intenção de reconhecer o Estado da Palestina (como Espanha, Irlanda, Eslovénia e Noruega já fizeram, e mais de 140 países fora do “Ocidente”).
  • Condenar Israel e Netanyahu pelos crimes contra a humanidade mais do que documentados e comprovados. Mesmo que deixemos de lado a palavra “genocídio” enquanto o TCI avalia se este crime se comprova ou não.

Porque, em termos de organizações nacionais e internacionais que representam os direitos humanos e o direito internacional, todas, sem excepção, estão a condenar os crimes de guerra cometidos por Israel, assim como os crimes contra a humanidade, do qual o genocídio é o mais grave. ONU, Amnistia Internacional, Comité Internacional da Cruz Vermelha, todas as ONG que estão no terreno, Human Rights Watch, até o Tribunal Criminal Internacional, que embora ainda esteja a apreciar o caso já afirmou que Israel tem que terminar com o seu comportamento genocida, e até o Papa Francisco já o fizeram. Porque é que o Estado português é cúmplice e conivente com o governo israelita? Todos sabemos a resposta: interesses económicos e hipocrisia da real politik fazem com que o medo seja mais forte do que o humanismo.

Senhores que nos governam, por favor, tenham decência e tenham coragem, porque o dinheiro não se respira, não se bebe e não se come, e condenem Israel, porque, se nos calarmos em relação ao sofrimento de um povo para não ferir relações com um Estado governado por um dos maiores criminosos da história contemporânea, um dia alguém nos vai fazer o mesmo, e vamos sofrer no futuro a culpa da imoralidade do presente. Israel é um Estado criminoso, fundado no sionismo que vai contra os direitos humanos, aplica um regime de apartheid bem comprovado e desde há 15 meses mostra ao mundo o que é o seu plano de uma forma por demais evidente: eliminar ou expulsar o povo palestiniano da terra que sempre foi Palestina, e é reconhecida pela ONU como sendo Palestina.

Neste momento, é uma vergonha ser português, pela imoralidade e cobardia de quem nos representa, porque todos os dias Israel assassina em média 41 crianças há 15 meses, e Portugal aceita isto com o silêncio de um assassino em série sociopata.

Em Portugal o silêncio é ensurdecedor. Porque é que o povo português não reage? Porque é que as grandes figuras públicas não dizem nada sobre um genocídio? E acima de tudo: como podemos obrigar Portugal a exigir o fim do genocídio em Gaza?

Numa democracia, tal como em Portugal, os políticos eleitos são os nossos líderes e representantes, mas, mais do que líderes, os políticos são seguidores das nossas vontades enquanto povo, na sua maioria. E nós portugueses, temos de lhes mostrar que a nossa vontade é ser moral e legalmente correctos e que não queremos ser, nem um pouco, cúmplices da carnificina dos israelitas que vitima palestinianos, libaneses, sírios e não só.

Israel, neste momento, é um Estado-pária e Portugal vai ficar para a história como cúmplice.

As crónicas de Gustavo Carona são a favor dos Médicos sem Fronteiras

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