Cartas ao director
Habitação, problemas e soluções
A recente proposta de transformar alguns terrenos rústicos em solo urbano, edificável, segundo a avaliação das autarquias, parece trazer já subjacente a especulação e a anarquia que vimos ao longo de décadas transformar o nosso território em selvas urbanísticas. Pelo contrário, não se vê que haja interesse real em reabilitar e dar utilidade a tantos edifícios fechados e abandonados. A começar pelos edifícios públicos em Lisboa e pelo país fora, como antigos hospitais, quartéis e muitos outros, alguns transformados em parques de estacionamento ou ocupados e vandalizados, outros vendidos como o hospital de Arroios, mas que continua há décadas fechado, uma chaga bem visível da inoperância das nossas políticas. A propriedade privada também sofre de males idênticos, com prédios em ruínas por heranças litigiosas ou incapacidades financeiras e administrativas dos proprietários.
Para tal, julgo urgente modificar não só as leis e a tributação no que se refere à reabilitação, como promover uma maior interacção entre as autarquias e proprietários. Sugestões: os edifícios do Estado seriam primordialmente adaptados a habitação a preços acessíveis. A reabilitação beneficiaria de redução do IVA nos materiais e custos e os proprietários teriam igualmente redução de impostos no IMI e rendimentos prediais durante alguns anos. Pelo contrário, haveria um agravamento fiscal nos casos em que o património se encontre devoluto durante x anos, por incapacidade de resolução de heranças ou outros problemas pendentes, o que implica uma maior eficácia da justiça.
Se houver uma maior interacção entre autarquias e proprietários – público e privado – tentando em conjunto resolver estes problemas, será seguramente mais fácil dar uso ao que já existe sem tornar o país uma selva de betão.
Isabel Ribeiro, Lisboa
Mortalidade infantil: causas reais?
A mortalidade infantil aumentou, de acordo com informação publicada (PÚBLICO, 3.1.2025). A baixa mortalidade infantil é um dos maiores orgulhos da Saúde em Portugal, há anos. Apesar do enorme drama de cada bebé que morre, os números são “pequenos” em termos epidemiológicos. Por isso, qualquer pequena variação em número absoluto causa variação visível na estatística.
São muitas as causas potenciais desta variação e já se deram explicações possíveis, plausíveis, mas o conhecimento exacto e identificação de riscos que possam ser corrigidos é obrigação pública. É justo sabermos se essas mortes ocorreram em condições que dificilmente poderiam evitar-se ou se houve situações que é preciso melhorar com urgência. Consultar os processos de 261 doentes não é missão impossível! Numerosos estudos analisam séries bem mais vastas.
Precisamos de explicações claras que indiquem se há medidas urgentes a tomar. É um direito de informação da população e uma obrigação das autoridades de saúde.
Jorge Amil Dias, Maia
Marcelo e a pobreza
O sr. Presidente, na sua mensagem de Ano Novo, reconheceu que “precisamos de menos pobreza, a pobreza, nos dois milhões de portugueses, é um problema de fundo…” E, para atingir esse objectivo, precisamos duma “economia que cresça e possa pagar melhor e aumentar os rendimentos dos portugueses, assim corrigindo, também, as suas desigualdades.”
Quando verificamos que, para comprar um dos muitos carros que por aí circulam, a maioria dos portugueses teria de gastar a totalidade do seu vencimento durante mais de dez anos, temos de concluir que algo de errado está a acontecer.
Embora o aumento de produtividade nacional não seja o desejável, de facto a riqueza existe, mas está muito mal distribuída, e quase todos os anos se tem repetido que para resolver o problema das desigualdades é necessário produzir mais, ou seja, todos os anos se produz mais e mais, mas as desigualdades aumentam, pelo que é preciso produzir ainda mais. O facto é que, em Portugal, em 2014 havia cerca de 76.000 milionários, que aumentaram para 167.000 em 2023.
Assim se evita falar nos milhares de milhões que todos os anos saem do país para offshores, nas grandes empresas que fogem aos impostos pagando-os em sedes-fantasma no estrangeiro, como se tudo isso fosse uma fatalidade do destino.
Como na história do burro que persegue a cenoura pendurada num pau atado no lombo, ao português é dito que se trabalhar mais e mais vai encurtar a distância à cenoura, e que os carros de luxo que ultrapassam o burro poderão um dia ser seus. Será que o sr. Presidente pensa mesmo que somos todos burros?
José Cavalheiro, Matosinhos