Há maridos que são cabritos

São de uma espécie que salta muros, sempre em busca de pasto verde, ignorando a pastora, que mal o apanha nos braços, o afaga, tratando-o como o bebé que é.

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"O cabritinho pulou a cerca, porque tinha muita fome e sentia-se mal-amado" Matilde Fieschi
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“Foi ela que mo roubou, levou-mo, ela também era tão provocadora”, ouvi há dias numa mesa de café, referindo-se ao término de uma relação de 15 anos de casamento. “E fazia coisas, sabes, dava-lhe aquilo”, tentando justificar o motivo pelo qual tinha perdido o marido. O discurso de ataque à ‘outra’, desconsiderando a escolha do companheiro de uma vida, de imediato fez surgir na minha mente, a imagem dos pastores a colocarem às costas, algum cabrito perdido ou mais gaiteiro.

São os maridos cabritos, uma espécie que salta muros, sempre em busca de pasto verde, ignorando a pastora, que mal o apanha nos braços, o afaga, tratando-o como o bebé que é. Lava-lhe a roupa, seca, estende, prepara as refeições e de noite, ensaia algumas acrobacias desajeitadas, para que o cabrito não sonhe pular a cerca. Parece um discurso do passado, mas ainda há muitos maridos cabritos por aí e muitas pastoras prontas a acolher e a venerar estes bichos.

Por outro lado, ao mesmo tempo e na mesma medida em que idolatram estes cabritinhos e estão prontas a perdoá-los e a recebê-los no lar, também odeiam e maltratam as outras ‘cabritinhas’, que normalmente são apelidadas de ‘vadias’, ‘perdidas’ ou mesmo ‘putas’. São no fundo elas que enfeitiçam os cabritos indefesos, que seduzem, que dão tudo, não olhando a meios para conquistá-los.

E os cabritinhos, quando são encostados à parede, unem-se às suas pastoras, pedindo clemência e apontando todos os males à ‘outra’. E se não for à ‘outra’, denunciam os maus tratos e descuido da pastora, que já não é a mesma, que não se arranja, que só tem olhos para os filhos e que, por isso, o cabritinho pulou a cerca, porque tinha muita fome e sentia-se mal-amado.

É, portanto, hora da pastora se transformar novamente na fada do lar. Ela vai mudar de visual, comprar roupa nova, arranjar-se ainda mais, porque desta vez, o cabritinho prometeu não fugir. Mas ele fugirá outras vezes, e na maioria delas, a pastora não saberá sequer. Na verdade, o cabritinho, não ama nem a pastora nem as ‘outras’, mas aprecia a sensação de conhecer novos pastos verdejantes. E não viria mal ao mundo, se antes de vender a ideia de sonho de uma família tradicional, abraçasse de vez o poliamor.

Só cai na conversa destes cabritinhos, outras cabritinhas inexperientes que ouvindo os testemunhos de quão maltratados são em casa, se apressam a dar-lhes guarida, muitas vezes apaixonando-se por eles, para concluir no final, que não valeram o investimento em feno.

Estes cabritinhos podem não ser especialmente atraentes, mas fazem sempre questão que as suas pastoras tenham essa perceção, de que são desejados por todas as outras cabritinhas. “Sabes pastora, aquela cabritinha linda, olha sempre para mim de um jeito...” A pastora, normalmente insegura, acredita e pragueja contra todas as cabritinhas lindas, que usam decotes pronunciados e que pintam a boca de vermelho, sem desconfiar que o cabritinho, desta vez, anda a fugir para estar com uma cabra, feia por sinal.

Enfim… Está na essência do cabritinho ser maroto. A pastora perdoará.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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