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Feliz ano velho, imigrante
Esperamos que Portugal tenha deixado em 2024 a mentalidade de que a imigração é um problema ou algo prejudicial para a sociedade. Povos migram há milênios e isto não é uma exclusividade lusitana.
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Foi difícil resistir à tentação de começar esta primeira coluna de 2025 sem fazer a velha piada do “não nos vemos desde o ano passado, não é mesmo?” Mas a situação dos imigrantes em Portugal só não é pior do que aquele trocadilho natalício do pavê. Seria cômico, se não fosse trágico.
O ano velho ficou, mas o novo trouxe com ele um conjunto de incertezas acerca do destino dos imigrantes neste país. O número de anúncios políticos feitos pelo governo e pelo parlamento foram enormes, mas os resultados práticos, risíveis. Como num bingo de festa de Réveillon, a cada número cantado, as esperanças de sucesso dos jogadores iam diminuindo. Até que, a 31 de dezembro, o governo gritou bingo, comemorando uma vitória somente sua e de mais ninguém: o fim do ano.
Portugal precisa abandonar essa concepção provinciana de que receber imigrantes é um favor e não uma vantagem. Em 2024, para convencer os mais incrédulos, a Faculdade de Economia da Universidade do Porto, de onde, inclusive, são egressos diversos ex-ministros da economia, afirmou categoricamente o que muitos já sabiam: este país é dependente da imigração para manter e fazer crescer sua economia. Trata-se de uma verdade que pode ser incômoda para alguns, mas é melhor conviver e tirar bom proveito dela do que seguir fingindo que ela não existe.
Não se está fazendo aqui uma defesa da imigração ilegal. Pelo contrário: somos partidários e defensores do cumprimento de todas as leis do país, antes de mais por uma questão de respeito aos portugueses. A imigração ilegal é, sim, um desafio social, isso nem se discute.
No entanto, nos últimos anos, milhares de pessoas têm sido enganadas com falsas promessas de que, cumprindo a lei, serão tratadas com respeito e dignidade pelo Governo. Falo daqueles que emigram com vistos de trabalho e que, quando aqui chegam, passam anos a espera de uma entrevista na AIMA, sem documentos e numa situação de completa indigência. Ou daqueles que fazem investimentos milionários no país em troca dos mesmos documentos e que acabam em igual situação, com suas famílias sendo privadas de direitos fundamentais, como ir e vir, marginalizadas, sem acesso à rede bancária, à coparticipação estatal na compra de medicamentos, muito embora estejam consumindo, recolhendo impostos e cumprindo a legislação nacional.
2025 pode ser o ano de estabelecer uma política imigratória clara e transparente, que corresponda às necessidades e anseios do país e de sua população. Na atual circunstância, até mesmo uma política de não querer imigrantes seria melhor do que o absoluto vazio que coloca milhares em franca vulnerabilidade social.
Nem tudo está perdido. Afinal, ano novo, vida nova, como dizem. Esperamos que Portugal tenha deixado em 2024 a mentalidade de que a imigração é um problema ou algo prejudicial para a sociedade. Povos migram há milênios e isto não é uma exclusividade lusitana. Aliás, são os portugueses, graças a sua genialidade nas artes da cartografia e da navegação, um dos maiores responsáveis, se não os maiores, pelos movimentos dos povos nos últimos quase 600 anos. E isto é motivo de orgulho. Portugal tem a chance de escrever mais um relevante contributo para a história mundial, despontando como uma referência no acolhimento e integração de imigrantes, tirando bom proveito disso para o desenvolvimento do país. Resta saber se haverá vontade e capacidade política para tal. É difícil desejar feliz ano velho em pleno 2 de janeiro, mas o governo precisa provar que o ano virou. E para melhor.