Queres despedir-te? Estes jovens deixaram o emprego em 2024
Pedimos histórias de quem se despediu e Mariana, Filipa e Maria contaram-nos as suas experiências de responsabilidades a menos, a mais, de falta de reconhecimento e chefias abusivas e inflexíveis.
Num mercado de trabalho cada vez mais difícil de navegar, tomar a decisão de sair pode parecer um privilégio, mas para estas jovens foi uma questão de priorizar a qualidade de vida. Contratos precários, chefias abusivas e ausência de reconhecimento ou de evolução profissional levaram-nas à decisão assustadora de te despedires pela primeira vez. Mariana, Maria e Filipa contaram a sua história ao P3 e, se te revês, pode estar na altura de fazeres resoluções para o Ano Novo.
Mariana, 32 anos
O início parecia promissor, mas rapidamente se tornou um pesadelo. "Entrei na equipa em Novembro de 2016 e as coisas começaram a piorar em Fevereiro de 2018”, recordou Mariana. Durante o primeiro ano, sentia que o desempenho era reconhecido: “Comecei como estagiária e passei logo a efectiva”. No entanto, a relação com a chefe revelou-se complexa. “Ela apoderava-se da tua vida pessoal, e fugir disso era quase impossível”, explicou.
A situação escalou quando a chefe descobriu que Mariana era próxima de um colega fora do trabalho — “Comecei a ser questionada por tudo o que fazia, criticada constantemente e era alvo de histórias absurdas, como dizerem que estava apaixonada por uma colega de trabalho.” Começaram os berros no escritório e um isolamento deliberado. “Tiraram-me as funções depois de vir de férias e a minha equipa tinha instruções para não falar comigo”, contou Mariana.
Rapidamente, iniciou-se um ciclo longo de reuniões frequentes em que a chefe tentava pressioná-la a sair. Procurou apoio nos Recursos Humanos, mas sem resultados, diziam “apenas parar de pensar no assunto e decidir se queria sair.”
Contudo, a pressão intensificou-se: “Recebia convites constantes para reuniões, num ciclo interminável.” Apesar de considerar alternativas dentro da empresa, Mariana acabou por se despedir. Sobre esse momento, explicou que ainda “não tinha outra opção em vista, mas psicologicamente estava desgastada." Quando finalmente saiu, passou uma semana na cama com febre.
A quem estiver a enfrentar situações semelhantes pede que se lembrem que "se algo parece errado, provavelmente está”. “Falar com pessoas de outros ambientes laborais ajuda a perceber se é normal.” Para além disso, “atingir um esgotamento não vale a pena.”
Depois de se despedir, esteve numa outra empresa, mas começou a reconhecer padrões pouco saudáveis rapidamente. “Pensei muito nisso, achei que o problema era eu. Mas percebi que as empresas raramente oferecem condições de crescimento reais, a culpa não é nossa", sublinhou.
“Somos trabalhadores e queremos inovar, mas as oportunidades são poucas. Quem está nas empresas muitas vezes prefere deixar as coisas como estão", concluiu.
Filipa, 25 anos
Filipa tomou a decisão de se despedir do primeiro emprego sem ter um plano B. Trabalhava numa empresa no Porto e quando decidiu que não conseguia mais, contou com o apoio dos pais para tomar a decisão. “Foi sem plano B porque tinha o apoio deles, obviamente”, explicou.
Desde o início, Filipa identificava problemas no local de trabalho: salários baixos, horas extras não remuneradas e um controlo excessivo das pausas: "Nós tínhamos comunicação dos recursos humanos a dizer que, num dia específico, faltavam dez minutos de trabalho. Controlavam-nos muito em coisas mínimas", contou. Além disso, o trabalho era presencial, mesmo quando a função exigia apenas interacção online com clientes. O pedido de flexibilização nunca foi sequer considerado, mesmo depois de haver problemas de espaço nos escritórios.
Decidiu que tinha de sair porque "foram-se acumulando várias red flags". "Com o aumento das responsabilidades, comecei a aperceber-me de outras condicionantes. Houve mudanças na estrutura mal comunicadas, o salário não batia certo com as novas funções, e, no meu caso, tive uma mudança de funções abrupta, de sexta para segunda, sem planeamento", contou ao P3. A insatisfação acumulada reflectiu-se, naturalmente, na falta de motivação.
O impacto não se limitou ao ambiente laboral. Filipa contou que “os finais de dia eram difíceis. O nível de energia que trazia do trabalho afectava as minhas relações interpessoais.” Após reflectir durante as férias, percebeu que não tinha energia para continuar até porque voltou com menos energia do que quando foi. "Dois dias depois, estava outra vez consumida. Parecia que o balanço final era negativo", justificou.
Filipa também discutiu o descontentamento com superiores numa avaliação de desempenho. Apesar de expor as suas dificuldades, as mudanças necessárias não aconteceram e "não houve qualquer tipo de alteração ou tentativa de compreensão."
Na procura de novo emprego, alinhou a narrativa para não comprometer a imagem profissional. Contou-nos que manteve "sempre a resposta clara: houve um desalinhamento entre as minhas expectativas e as da empresa. E nunca senti discriminação por isso."
Hoje, trabalha remotamente numa empresa do mesmo sector e a experiência anterior, mesmo com os desafios, ajudou-a a reconhecer o que quer priorizar na carreira: "Há sinais que não se podem ignorar, como a falta de energia e motivação. Percebi que, quando ir trabalhar é um sacrifício, algo tem de mudar."
Maria, 25 anos
Maria começou o percurso numa startup, onde entrou como estagiária enquanto terminava a sua tese de mestrado. "Gostei imenso do estágio, porque tinha uma equipa muito boa, com pessoas novas e próximas de mim, o que me ajudou imenso a crescer", contou. Após a conclusão da tese, foi contratada como cientista de dados. No entanto, as particularidades do ambiente de uma startup começaram a moldar a sua experiência profissional.
"Sendo uma startup, há sempre muitas mudanças, entradas e saídas de pessoas, e também horas de trabalho a mais do que seria de esperar", partilhou. Apesar de apreciar a versatilidade e a oportunidade de aprender em diferentes áreas, com o tempo, sentiu que o seu desenvolvimento técnico estava a ser comprometido: "Chegou a um ponto em que deixei de ter uma equipa ou alguém que me orientasse tecnicamente, e isso levou-me a questionar se devia continuar ou mudar".
O momento que solidificou a decisão de sair aconteceu quando percebeu que lhe pediam responsabilidades que, na sua perspectiva, excediam a sua experiência. "Estava a coordenar tarefas e pessoas e tinha apenas um ano e meio de experiência. Eu sentia que ainda precisava de aprender e especializar-me antes de assumir esse tipo de função", afirmou. Além disso, a saída de um dos seus mentores técnicos agravou o sentimento de desamparo e passou "meses a pressionar para que se contratasse alguém mais experiente, mas essa pessoa nunca chegou."
Esse desgaste começou a contaminar outras áreas da sua vida. "As horas extras eram constantes, e isso afectava o tempo que eu tinha para estar com amigos e família. Ficava frustrada por faltar a jantares ou deixar de ir ao ginásio para resolver mais uma tarefa que, no fim, nem tinha assim tanto impacto", relatou. A pressão prolongada rapidamente deixou de ser motivadora e tornou-se insustentável.
Acredita que este stress prolongado e constante é generalizado, mas "no ambiente de startup, onde há uma pressão constante por resultados, especialmente por causa das rondas de financiamento, é ainda maior". Na empresa onde está agora "é oposto. Valorizam o trabalho sustentável, e isso faz toda a diferença."
Maria acredita que jovens em início de carreira devem procurar alinhar o trabalho com os seus objectivos e valores, mas há dois critérios especialmente importantes: "Ou estás a ganhar muito bem e tens uma boa qualidade de vida, ou estás feliz e a crescer profissionalmente. Idealmente, ambos. Mas se nenhum desses factores estiver presente, é um sinal de alerta", aconselha.