Despedidas

Não é só através da morte que chega o adeus que dói. Neste Dezembro, vemos a caixa de e-mail encher-se de mensagens de despedida de colegas e amigos que decidiram sair do PÚBLICO.

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Redacção do PÚBLICO no Porto Nelson Garrido
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Dezembro é mês de encontros, mas também de despedidas. Do ano velho, de familiares e amigos, das loiças antigas que se atiram pela janela. Muitos reencontros só ficam prometidos para o Dezembro seguinte.

O pior são as despedidas inesperadas. Se as por morte são sempre dolorosas, nesta altura parece que magoam ainda mais. Quem fica demorará a voltar a gostar desta quadra, em que se espera que estejamos alegres, felizes, cheios de esperança.

Mas não é só através da morte que chega o adeus que dói.

Neste Dezembro, vemos a caixa de e-mail encher-se de mensagens de despedida. Colegas, amigos, companheiros (palhaços não) que decidiram aproveitar o processo de rescisão amigável aberto por quem gere administrativamente o PÚBLICO.

Despede-se quem está perto da reforma e também quem está longe. Cansaço, desmotivação, falta de reconhecimento, promoções e aumentos há muito adiados, desencanto, possibilidade de pagar empréstimos sem comissões, mudança de vida, mais tempo para a família, novos projectos, tudo razões legítimas e ponderadas.

Mas ninguém parece verdadeiramente feliz por sair.

“Até já”, “Um adeus português”, “A minha gente”, “Addio, adieu, auf wiedersehen, goodbye!”, “Saltos altos” foram alguns dos títulos escolhidos para as mensagens de despedida de trabalhadores que saem agora do PÚBLICO. Muitos foram nossos companheiros nestas últimas duas ou três décadas. Vão fazer falta, muita falta. Às redacções de Lisboa e Porto, aos leitores e ao país, cada vez menos democrático.

Por estes dias, recuperaram-se fichas técnicas dos “números zero” e das primeiras edições. Ali estavam nomes a quem alguém chamou “príncipes do jornalismo”. Muitos mortos, alguns despedidos colectivamente. Tristeza.

É sabido que os jornalistas não devem ser notícia. Vamo-nos já defendendo: isto não é uma notícia e o jornal não é feito só por jornalistas.

Num dos últimos aniversários, alguém jovem perguntava, perplexo: “Quem é que fica 30 anos a trabalhar no mesmo sítio?” A verdade é que o PÚBLICO nunca foi “o mesmo sítio”. E não estamos a falar de moradas ou instalações, que foram várias.

Quem aqui ficou 30 e mais anos foi estando em lugares diferentes, com novas aprendizagens, desafios inesperados, adaptações ao mundo. E tanto que ele mudou.

Longe vão os telexes, faxes, estafetas em viagens nocturnas apressadas para as gráficas, com fotolitos enrolados em tubos de cartão. Notícias ditadas do Iraque ou de Timor por telefones-satélite pesadíssimos. Coletes antibala com proporções desadequadas para mulheres repórteres. Quando se falava em género, era de gramática que se tratava; em rede, era de pesca.

Internet, correio electrónico, novas plataformas, diferentes procedimentos e rotinas, edição online, multimédia, podcasts, tudo foi incorporado num quotidiano cada vez mais intenso e criativo, com uma adaptação e dedicação de todos, os visíveis e invisíveis. Mais velhos e menos velhos. Se algo falhou, não foi na parte editorial.

“Quem é que fica 30 anos a trabalhar no mesmo sítio?” Nós, que tínhamos planeado ficar só três meses. Mas na redacção podíamos discutir, crescer, discordar, cantar, chorar e até dançar. Não é fácil desistir de um lugar assim.

Sair ou não? A decisão terá de ser tomada até ao Dia de Reis, 6 de Janeiro. Certo é que se demorará a voltar a gostar desta quadra. Como quando morre alguém.

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