Os saldos são bonitos, se soubermos comprar
Os saldos são tanto o melhor, quanto o pior momento para ir às compras. Cometemos erros que resultam do entusiasmo do preço, optamos por não ver que o desconto é irrisório, ignoramos a qualidade.
Chegaram os saldos. Depois do Natal, as lojas estão novamente apinhadas, vamos todos à procura de uma boa oportunidade. E, nisto de compras, por vezes não há como lhes escapar.
Tenho uma filha adolescente, o que se traduz na necessidade de substituição de peças de roupa, bem como na suposta necessidade de outras, novas. E se tenho tentado incutir hábitos de consumo consciente, explicando o funcionamento da indústria da fast fashion e o poder do estilo pessoal, em detrimento das trends pelas trends, estamos, inevitavelmente, a falar de adolescência, da pressão e influência social que, de forma fácil, se transformam numa espécie de necessidade de consumo. Mais, ou menos consciente.
E este é um dos flagelos sociais que enfrentamos porque é tão fácil comprar e tão difícil dizer-lhes que não, explicando as razões dessa decisão, tentando fazê-los compreender que há mais na vida além daquilo que podemos ter ou que temos para vestir. Fácil falar. Difícil executar. Às vezes, conseguimos. Outras, vamos aos saldos.
Na adolescência compreendemos tudo mas não queremos compreender nada e fazemos que sim quando queremos, mesmo, mais uma camisola. E nisto de compras, até que consigamos descobrir o nosso estilo pessoal, que nos facilita as escolhas e define o que compramos, passam algumas décadas, começando na adolescência.
Os saldos começaram e, antes do Natal, já algumas lojas tinham descontos e promoções consideráveis, apelando ao consumo e talvez, compensando alguma diminuição no volume de vendas durante esta estação. Os saldos são tanto o melhor, quanto o pior momento para ir às compras. Facilmente cometemos erros que resultam do entusiasmo do preço mais baixo, optamos por não ver que o desconto é irrisório, ignoramos a qualidade e acabamos a pensar na quantidade.
Tudo mal, ao contrário do que deve de ser a abordagem aos saldos: uma oportunidade para comprar peças-chave que vão enriquecer o nosso guarda-roupa, ou as subtilezas que marcam a diferença. As tendências que, mesmo assim, deverão encaixar no que já temos, em termos de cores, padrões e corte, um apontamento de estilo, acompanhando a estação.
O que comprar, não sei, mas tenho procurado perceber o que evitar. Há tendências que desvanecem tão rapidamente que precisamos estar cada vez mais atentos. Nos pés, a assinatura é a cor e se, há uns tempos nos diziam que o vermelho e o burgundy estavam em altas, para depois nos mostrarem que o nude e o suede eram especiais, agora são os azuis. A seguir, quais e como serão?… Nos Adidas Gazelle, por exemplo, a sola branca está a ser substituída por sola semi-transparente. Até quando? Numa loja, confidenciei que prefiro a branca, que é intemporal, algo que me confirmaram de imediato, acrescentando que até para eles, que trabalham a marca, é difícil acompanhar “o que está a dar”. Como podemos, nós, conseguir?
Pela primeira vez, em anos (e sim, a morte tem estado anunciada) as skinny jeans estão mesmo out, tal como as mom, barrel jeans e todas as calças muito, muito largas, substituídas por cortes mais fluidos ou direitos. Da mesma forma, investir nos micro shorts pode ser fatal porque são daquelas tendências tão tendência que passam depressa. Além de que, dizem os especialistas, parecem roupa interior com lantejoulas ou imitação de pele. Quanto a isto, não sei mas estes micro shorts, por baixo de um sobretudo elegante, talvez em veludo ou outro material igualmente requintado, para um dia de festa… talvez. Contudo, a pergunta impõe-se: até quando e quando vamos usar?
Estas são sempre duas questões que nos podemos colocar em qualquer ocasião que seja para comprar. Se, para a primeira, não temos resposta certa, para a segunda podemos pensar. Se o nosso trabalho obriga a roupa formal ou, pelo contrário, é casual, será que vale a pena investir em vários casacos formais que não vamos usar ou, ao contrário, em várias peças informais que não podemos usar para trabalhar?
Da mesma forma, se temos uma vida social que não supõe brilhos ou tecidos sofisticados, então talvez aqueles três vestidos de lantejoulas não façam assim tanta falta. Se estamos a antever alguns casamentos ou festas, talvez seja uma boa oportunidade para encontrar clássicos que possamos conjugar com tecidos adequados a cada estação ou às tendências do momento.
Para a parte de cima, os cortes muito curtos (cropped) insistem em perdurar mas, enquanto tendência, são de evitar. Até porque, em boa verdade, casacos muito curtos servem exactamente para quê, se deixam parte do corpo destapado? Se a ideia é mostrar o corpinho sarado, vamos a isso mas de forma mais lógica, usando o cropped junto ao corpo, tapado por um casaco que não nos fará espirrar de frio, abrindo-o em ambientes fechados para dar um toque sexy ao look. O resto é só uma tendência a abandonar, especialmente se o casaco curto levar, por baixo, um camisolão a sair por todos os lados.
A caxemira é sempre um investimento seguro, pela qualidade e durabilidade, tal como as peças em linho e seda as quais, mesmo usando no Inverno, têm um cair bonito e, acreditem, adaptam-se à temperatura do corpo. Novamente, pela sua durabilidade, são clássicos intemporais que adicionam um toque de qualidade e charme a qualquer guarda-roupa, tal como uma trench-coat de qualidade, com corte clássico, a qual, nos saldos, é relativamente fácil de encontrar.
Em resumo, o primeiro passo para umas compras em estilo, alinhadas com a pessoa que somos, a que queremos mostrar ao mundo, e sem roubar o banco é simples: observar. Abrir o guarda-roupa e as gavetas, perceber o que temos e o que nos falta. Fazer uma lista de peças nas quais queremos investir, as que gostaríamos de encontrar e as outras, que não servem para nada mas nos deixam de sorriso no rosto. A primeira lista deverá ser a mais importante, a última, a mais curta.
Finalmente, definir cores e padrões que encaixem no que já temos, escolher cortes que, sabemos, vamos usar. Se gosto de saias compridas, de pouco vale comprar uma mini-saia só porque é gira e está a um preço irresistível. Este auto-conhecimento e definição do que realmente gostamos de vestir é determinante para fazer boas compras.
Depois, passar pelas aplicações das marcas, verificar o que têm de valor, colocar no carrinho e comprar. Ou, melhor: sair para ir às lojas, ver se realmente a peça assenta como imaginámos, porque há um custo ambiental maior do que se pensa, associado às nossas devoluções. É público que as devoluções aumentam grandemente a pegada de carbono e que, muitas vezes, o produto não volta à loja, aumentando o seu impacto ambiental, por acabar em aterros.
Do lado das empresas de moda, a preocupação é em alterar comportamentos sem diminuir a satisfação do cliente, ao mesmo tempo que melhoram a sua experiência levando-o a comprar. Cada vez mais. Desta forma, resta-nos a tomada de consciência do que, e como compramos, sem eliminar por completo o consumo, esse motor da economia global. Da mesma forma que temos armários cheios com roupa que não vestimos, também o mundo está cheio de roupa que ninguém vestiu ou que já ninguém quer, sem ter como a descartar.
Para nós, na parte da metade do mundo que descarta, estas peças estão longe da vista e, portanto, longe do coração mas outros ficam sem ter onde as colocar, com aterros que se estendem até ao mar ou ocupam terrenos que poderiam ser usados para cultivar. Tudo porque achamos sempre que precisamos de mais uma peça de roupa, a qual, muitas vezes, acabamos por nunca usar.
Por isso, os saldos são tão perigosos, propícios a compras de impulso que, depois, não temos onde arrumar ou, sequer, sabemos como usar. Por isso, nisto de saldos, mais estilo e menos compras, ou as mesmas compras, mas com mais estilo.
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990