Como resolver a crise do carbono na fast fashion
A moda é uma das indústrias mais poluentes do mundo. Responsável por 2% a 8% de todas as emissões de gases com efeito de estufa, suga a água e cria grandes quantidades de poluição e resíduos.
Com todas as atenções viradas para a Cimeira do Clima, no Dubai, o mundo da moda está a estudar a forma de cumprir um ambicioso compromisso de reduzir as emissões que produz, vestindo o mundo com rapidez e estilo. E as perspectivas não são risonhas.
As grandes marcas prometeram grandes cortes na sua pegada de carbono, mas é o fabrico que causa a maior parte dos danos ambientais e alguém tem de pagar a factura da mudança radical exigida. "A escala do desafio da descarbonização ultrapassa completamente os fundos disponíveis", declara Vidhura Ralapanawe, vice-presidente executivo da empresa de moda Epic Group.
Sediado em Hong Kong, o Epic Group — que produz vestuário no Bangladesh, Jordânia e Etiópia — tem estado na vanguarda dos esforços globais para limpar a pegada ambiental da indústria da moda de dois mil milhões de dólares. "Estamos a trabalhar com organizações locais e globais para fazer avançar toda a indústria, ao mesmo tempo que tentamos reunir marcas, retalhistas, fabricantes, fábricas e prestadores de serviços."
A chave para o progresso, continua, é uma parceria positiva entre marcas e fabricantes. "Dado o investimento e os riscos que os fabricantes estão a assumir, precisam de apoio em termos de parcerias a longo prazo, bem como de condições comerciais que sejam sensíveis aos preços", acrescenta.
A moda é uma das indústrias mais poluentes do mundo. Responsável por 2% a 8% de todas as emissões de gases com efeito de estufa, suga a água, escassa, e cria grandes quantidades de poluição e resíduos. Em 2018, a indústria estabeleceu o objectivo de reduzir para metade as emissões até 2030 e de atingir zero emissões líquidas até 2050. Mas os progressos têm sido lentos.
De acordo com a Oxfam, só a Grã-Bretanha, no seu consumo mensal de moda, cria a mesma pegada de carbono que 900 voos à volta do mundo. Uma viagem de carro de 35 quilómetros cria os mesmos danos ambientais que a produção de uma camisa de algodão, exemplifica a organização não governamental.
À medida que o apetite global pela fast fashion cresce, as estatísticas só têm piorado com cada vez mais consumidores a perseguirem as últimas tendências da passerelle. Mas, a indústria também sabe que, a partir do próximo ano, terá de cumprir a legislação da União Europeia que obriga as empresas a comunicar e a tratar as emissões nas suas cadeias de abastecimento, sendo o fabrico responsável por cerca de 80% de todas as emissões do sector do vestuário.
Mas, à medida que as marcas de moda globais se comprometem a reduzir as emissões e a atingir o objectivo de zero emissões líquidas até 2050, os fabricantes de têxteis e de vestuário exigem que as marcas partilhem os encargos financeiros do investimento em tecnologias e processos com baixo teor de carbono.
No mês passado, a Transformers Foundation — um grupo de reflexão sediado em Nova Iorque que representa os fabricantes e as marcas de ganga — publicou um relatório em que apela a uma maior acção colectiva para conseguir uma transição climática.
Kim van der Weerd, directora de informação da Transformers Foundation, afirmou que o sector do vestuário raramente pergunta "quem paga" pela grande transição, partindo do princípio de que são os fornecedores cujas instalações têm de mudar que pagam a factura.
"Isso é impraticável e injusto", defende, já que os fornecedores têm muito menos dinheiro do que as grandes marcas. Os especialistas afirmam que dissociar o principal ponto de discórdia — quem deve agir e quem pode pagar — poderia ajudar a quebrar o impasse, colocando os fornecedores no comando das mudanças a serem feitas e garantindo que as marcas invistam devidamente nessa revisão.
Pagar pelas ambições
Os fabricantes de têxteis querem uma gama de opções de financiamento, por parte das marcas que alimentam, para financiar uma nova linha de produção mais limpa.
Mohiuddin Rubel, director do organismo comercial dos fabricantes de vestuário do Bangladeche, a Associação de Fabricantes e Exportadores de Vestuário do Bangladeche (BGMEA), defende que as marcas de moda podem apoiar os fornecedores oferecendo subsídios, empréstimos a juros baixos e investimentos directos.
Isso ajudará os fornecedores a adoptar mais energias renováveis e tecnologias eficientes em termos energéticos, bem como a manter os trabalhadores, afirma. Algumas iniciativas já estão em curso.
O Apparel Impact Institute (AII), um grupo de reflexão norte-americano que promove investimentos sustentáveis, criou o Fashion Climate Fund no ano passado, que mobilizou 250 milhões de dólares com o objectivo de desbloquear dois mil milhões de dólares de financiamento e reduzir 150 milhões de toneladas de carbono da moda nas próximas três décadas.
Kurt Kipka, director de impacto do AII, afirma que o fundo poderia ajudar a acelerar os cortes, uma vez que o sector está repleto de oportunidades para uma reforma rápida. Entre os ganhos fáceis e rápidos sugeridos: recuperar o calor da água utilizada na produção ou melhorar a eficiência das caldeiras.
Os fabricantes de vestuário afirmam que tornar o financiamento climático disponível, acessível e económico para os fornecedores é essencial para um futuro com baixas emissões de carbono para a moda. Mas os montantes envolvidos são consideráveis. Segundo um relatório da AII, se a indústria quiser atingir o zero emissões líquidas até 2050, precisará de mais de mil milhões de dólares de investimento.
Nada de modelos pré-definidos
Para além de um défice de financiamento, a indústria enfrenta outro grande obstáculo à rápida descarbonização — a enorme diversidade de prioridades e problemas enfrentados pelos seus inúmeros fornecedores.
No Bangladeche, país densamente povoado, os fornecedores têm dificuldade em gerar energia solar suficiente nos telhados, uma vez que a maior parte dos edifícios das fábricas se expandem verticalmente e não horizontalmente, limitando o espaço no telhado, disseram os fabricantes de tecidos numa conferência sobre o clima realizada em Daca em Outubro.
No Paquistão, as fábricas não conseguem celebrar acordos com terceiros que forneçam energia renovável para as ajudar a reduzir as emissões, tendo de efectuar as reduções internamente, segundo o relatório da Transformers Foundation.
Por outras palavras, um tamanho único não serve para todos. "Se a nossa abordagem for pegar no objectivo colectivo do Acordo de Paris e dividi-lo igualmente entre as empresas sem ter em conta a viabilidade, falharemos", declara van der Weerd, do grupo de reflexão sobre a indústria da ganga.
Ralapanawe, do Epic Group, diz que as necessidades de um gigante podem não ser as mesmas que as de um pequeno fornecedor com grande alavancagem, e que será necessária uma combinação de ferramentas financeiras para atender a ambos.
Kurt Kipka, director de impacto do Apparel Impact Institute, afirma que ajudar os fornecedores a reduzir a sua pegada exige flexibilidade por parte dos financiadores.
"É imperativo que encontremos a indústria e os parceiros onde eles estão — com base nas diferentes necessidades das instalações líderes e das instalações que estão apenas a começar a jornada de descarbonização", conclui.