Ligações perigosas: príncipe André era próximo de espião chinês banido do Reino Unido
A decisão de banir o empresário revela que o príncipe o autorizou a criar uma iniciativa financeira internacional para estabelecer contactos com potenciais parceiros e investidores chineses.
Um homem de negócios chinês, que estabeleceu laços estreitos com o príncipe André e foi autorizado a actuar em seu nome para procurar investidores na China, foi banido do Reino Unido por razões de segurança nacional.
O homem de 50 anos, a quem foi concedido o anonimato e que é designado apenas por H6, foi retirado de um voo de Pequim para Londres em Fevereiro de 2023 e informado de que a Grã-Bretanha tencionava proibi-lo de entrar no país. O facto ocorreu no mês seguinte.
H6 recorreu da proibição junto da Comissão Especial de Recursos de Imigração (SIAC, na sigla original), que rejeitou o seu caso numa decisão tornada pública na última quinta-feira, que também revela a relação de H6 com o príncipe.
O Palácio de Buckingham não comenta mais assuntos relacionados a André, que foi removido dos deveres reais pelo palácio em 2022, mas o próprio emitiu um comunicado, citado pela BBC, em que afirma que “cessou todos os contactos” com um homem de negócios acusado de ser um espião chinês após ter recebido conselhos do Governo. O seu gabinete afirma ainda que o príncipe André se encontrou com o homem apenas “através de canais oficiais” e que “nunca tinha sido discutido nada de natureza sensível”.
No entanto, a decisão de banir o empresário do Reino Unido revela que André o autorizou a criar uma iniciativa financeira internacional para estabelecer contactos com potenciais parceiros e investidores na China. A decisão não refere a que se destinava o fundo.
Os documentos que se encontraram no telemóvel do suspeito sugerem que H6 “ocultou deliberadamente as suas ligações” ao Partido Comunista Chinês e ao Departamento de Trabalho da Frente Unida e que esteve em posição de criar relações entre figuras proeminentes do Reino Unido e altos funcionários chineses, que Pequim poderia aproveitar, refere o acórdão. O Departamento de Trabalho da Frente Unida é uma rede de grupos que o líder chinês Xi Jinping descreveu como uma “arma mágica” para reforçar o alcance da China no estrangeiro.
Num comunicado, a embaixada chinesa em Londres afirmou que algumas pessoas na Grã-Bretanha estavam empenhadas em inventar “todo o tipo de histórias de ‘espionagem’ contra a China”. E reforça: “O objectivo é difamar a China e sabotar os intercâmbios normais entre a China e o Reino Unido. Condenamos veementemente esta atitude.”
Festa de aniversário
A decisão da SIAC revelou uma carta de um conselheiro sénior de André para H6, de Março de 2020, que referia que H6 tinha sido convidado para a festa de aniversário do príncipe nesse mês (o Times refere que H6 foi convidado e participou ainda em eventos no Palácio de Buckingham, no Palácio de St. James e no Castelo de Windsor a pedido do duque) e afirmava: “Espero também que seja claro para si qual é a sua posição em relação ao meu director e à sua família. Nunca deve subestimar a força dessa relação... Para além dos seus confidentes internos mais próximos, está no topo de uma árvore em que muitas, muitas pessoas gostariam de estar. ”
Acrescentava que, na sequência de uma reunião entre André, H6 e o conselheiro, tinham “navegado sabiamente à volta dos antigos secretários privados”, acrescentando: “Encontrámos uma forma de afastar cuidadosamente as pessoas em quem não confiamos totalmente”.
“Sob a sua orientação, encontrámos uma forma de fazer com que as pessoas relevantes entrassem e saíssem da casa em Windsor sem serem notadas”, dizia a carta. A decisão não diz quem são essas pessoas nem indica a razão da potencial desconfiança.
O príncipe, de 64 anos, oitavo na linha de sucessão ao trono, foi embaixador comercial itinerante do Reino Unido de 2001 a 2011. Só que, desde 2019, encontra-se afastado dos deveres reais por causa de sua amizade com o falecido agressor sexual americano Jeffrey Epstein. Em 2022, a família real removeu as patentes militares e patrocínios reais a André.
A decisão do SIAC referiu-se a um documento de 2021 recuperado do dispositivo de H6 que listava os pontos de discussão para uma ligação entre ele e André, que dizia que o príncipe “está numa situação desesperada e se agarrará a qualquer coisa”.
O juiz Charles Bourne afirmou na decisão que H6 tinha “ganhado um grau significativo, poder-se-ia dizer um grau invulgar, de confiança de um membro sénior da família real que estava preparado para iniciar actividades comerciais com ele”.
O juiz acrescentou: “Isso ocorreu num contexto em que, como os documentos contemporâneos registam, o duque estava sob uma pressão considerável e era de esperar que valorizasse o apoio leal [de H6]. É óbvio que as pressões sobre o duque poderiam torná-lo vulnerável ao uso indevido desse tipo de influência.”
Bourne sublinhou que o Ministério do Interior britânico tinha o direito de concluir que H6 tinha ligações significativas com o Partido Comunista Chinês e com o Departamento de Trabalho da Frente Unida e que havia potencial para ele “alavancar” a sua relação com André.