Palcos da semana: Little Wimmin entre guerra e Cruz, tão Portátil como a morna
A sátira das Figs In Wigs e o jazz de Kavita Shah convivem com a improvisação da Porta dos Fundos, uma exposição para Resistir! e um Transumante especial.
Morra a Beth, morra!
Que se espalhe a notícia, que nem sequer é spoiler. É anúncio de cortesia para com o espectador. Beth morre no fim. Sim, a Beth d’As Mulherzinhas, o famosíssimo romance de Louisa May Alcott, que tantos amam e alguns não suportam. Na verdade, falamos da Beth de Little Wimmin, uma performance que brinca ao clássico para dinamitar os cânones que lhe correm nas entrelinhas.
É uma adaptação feminista, anticapitalista, contra o patriarcado. Mas sem sermões nem dedos no ar. São trocados pela sátira, o ridículo, o desconcertante, o absurdo e a irreverência total, na forma de “uma catástrofe irreconhecível e cartunesca”, como descreve a folha de sala.
O divertido manifesto chega finalmente a Lisboa – depois do adiamento da estreia prevista para Fevereiro deste ano – pelas mãos (e perucas e saias) das intérpretes e co-criadoras Sarah Moore, Ray Gammon, Suzanna Hurst, Rachel Porter e Alice Roots, as cinco Figs In Wigs.
Memórias nada neutras
Na recta final de um ano em que tanto se falou de resistência e liberdade, o Museu do Neo-Realismo inaugura uma exposição que “vem reavivar a memória, esquecida até um passado recente”, sobre portugueses que foram apanhados na II Guerra Mundial e deportados às dezenas de países ocupados por Hitler para campos nazis.
Trazer à luz as suas histórias raramente lembradas – e ofuscadas pela apregoada neutralidade de Portugal no conflito – é o propósito de Resistir! Os Portugueses no Sistema Concentracionário do III Reich. A curadoria é do grupo de investigadores que fez o levantamento em que a exposição se baseia: Fernando Rosas (coordenador do projecto), Ansgar Schaefer, António Carvalho, Cláudia Ninhos e Cristina Clímaco.
Com Cruz e companhia
Jorge Cruz, que com os extintos Diabo na Cruz ascendeu a mestre de um garage-rock a entrar por um baile adentro, tem andado nos últimos tempos em modo mais tranquilo, telúrico, contemplativo, enraizado na ruralidade e nas paisagens onde o olhar vai pousando. Numa palavra, Transumante.
Fruto de uma jornada muito pessoal, que envolveu a dureza da adaptação à vida com tinnitus (condição auditiva que condiciona a frequência dos palcos), o disco a solo tem sido mostrado só com voz e viola. Mas vem aí um concerto especial, na sua terra e nada sozinho: B Fachada, Bia Maria, Mano, Mema., O Marta, Retimbrar e Siricaia são convidados a tocar com ele.
Da paixão à Sodade
De passaporte norte-americano, espírito nova-iorquino, ascendência indiana e destreza para deixar o seu jazz absorver música de toda a origem, Kavita Shah teve de ir ao Brasil para se apaixonar por Cabo Verde. Foi lá que ouviu cantar pela primeira vez a rainha da morna, Cesária Évora, já lá vão quase duas décadas.
No ano passado, essa paixão concretizou-se em Cape Verdean Blues, álbum nascido e criado na pátria da diva dos pés descalços, em imersão na cultura do país, tendo Bau por companheiro. Vai estar com ela neste regresso a Lisboa, juntamente com Jorge “Djodje” Almeida nas guitarras e N’Du na percussão.
Mais Portátil, agora com Paes
Ainda em Julho cá tivemos a Porta dos Fundos a improvisar com Inês Aires Pereira. Ainda há menos tempo, em Novembro, veio Gregório Duvivier estrear O Céu da Língua, com encenação de Luciana Paes. É precisamente ela, enquanto actriz, quem vem com a trupe brasileira dar novos significados a Portátil, o espectáculo em que só não vale dizer “já vi!”. É por isso mesmo que vale a pena ver outra vez.
Cada sessão é irrepetível. Constrói-se a partir de uma memória de infância partilhada por alguém do público. A plateia não sabe o que esperar. Nem os actores (Duvivier, Paes, João Vicente de Castro e Gustavo Miranda), o músico de serviço (Andrés Giraldo) ou a encenadora (Bárbara Duvivier) sabem bem o que vai sair dali. Arriscamos: é comédia na certa.