Empresários alertam para o risco de Portugal se transformar no país da “cama quente”

Governo propõe a empresas que garantam moradia digna a imigrantes em troca de mais agilidade nos vistos. Mas há riscos de país institucionalizar revezamento de camas, um dorme de dia, outro, à noite.

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Governo cobra de empresas moradias dignas para trabalhadores imigrantes em troca de redução no prazo de emissão de vistos de entrada em Portugal Rui Gaudêncio
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O Governo de Portugal está disposto a reduzir o tempo de emissão de vistos de trabalho a estrangeiros para menos de um mês, diante da escassez de mão de obra no país, que pode colocar a economia em rota de desaceleração. Como contrapartida para a medida — a emissão de vistos está demorando, em média, seis meses, sobretudo no Brasil —, tanto o ministro da Presidência do Conselho de Ministros, António Leitão Amaro, quanto o primeiro-ministro, Luís Montenegro, querem que os empresários garantam moradias dignas aos imigrantes que forem contratados. Portugal vive uma grave crise habitacional. Faltam imóveis e há excesso de demanda, com os preços de compra e de aluguéis em disparada.

Ainda que a exigência do Governo seja considerada justa, especialistas ouvidos pelo PÚBLICO Brasil veem sérias limitações para que ela se torne realidade, e alertam para os riscos de distorções que podem prejudicar os trabalhadores. O principal deles, que se institucionalize em Portugal o que se chama de “cama quente”, em que uma pessoa dorme de dia e outra, à noite. “Sabemos que isso já acontece em algumas regiões do país. Imigrantes indocumentados se submetem a esse tipo de situação. Há casos de 40 pessoas morando em um apartamento de dois quartos”, diz o gerente-geral da Portugal Singular Realties, Murillo Penchel.

Ele conta que esse modelo de atração de trabalhadores estrangeiros com moradia garantida é muito comum em Singapura. Imigrantes originários da Malásia, das Filipinas, de Bangladesh e de outros países mais pobres da região são jogados em alojamentos e têm de revezar as camas. “É preciso saber como o Governo fiscalizará os contratos e o que será considerado efetivamente moradia digna”, afirma. “Hoje, pode-se dizer que o Governo não tem como fiscalizar nem as obras que estão em andamento pelo país. O que pode acontecer é o dono de um imóvel alugado pela empresa fazer a vistoria ou mesmo o síndico do condomínio”, acrescenta.

Para o empresário e advogado Bruno Gutman, é difícil acreditar que as empresas que pretendem trazer trabalhadores estrangeiros para Portugal tenham imóveis para acomodar a todos. “Vão transformar galpões desativados em residências? Vão construir os imóveis ou alugar?”, indaga. “Não há dúvidas de que o país, como quase toda a Europa, precisa de mão de obra imigrante para manter a economia funcionando, mas todas as medidas que venham a ser tomadas pelo Governo em parceria com o setor privado devem ser muito bem definidas, para que não se incorram em erros, como institucionalizar a ‘cama quente’. Isso não pode acontecer”, ressalta. “Por isso, será preciso o mínimo de regulamentação”, emenda.

Casa em que vivem trabalhadores imigrantes em Portugal Rui Gaudêncio
Condições enfrentadas por vários trabalhadores imigrantes são indignas Rui Gaudêncio
Polícia têm encontrado trabalhadores imigrantes em condições análogas à escravidão Rui Gaudêncio
Há casos de até 40 trabalhadores imigrantes vivendo em um apartamento de dois quartos Rui Gaudêncio
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Casa em que vivem trabalhadores imigrantes em Portugal Rui Gaudêncio

Salário com moradia

CEO da Conexão Europa Imóveis, Tiago Prandi diz que já viveu uma situação em que a moradia estava prevista em seu contrato de trabalho. “Fui convidado para um posto em Dubai, nos Emirados Árabes, onde os alugueis são caríssimos. A empresa que me contratou embutiu o valor do aluguel no meu salário. Por isso, aceitei”, relembra. Esse, no entender dele, pode ser um caminho para os contratos que venham a ser fechados entre empresas e trabalhadores. “Aqueles que aceitam sair de seus países de origem para trabalhar no exterior querem, na maioria dos casos, levar a família. Sendo assim, garantir moradia digna para as pessoas é mais do que obrigação”, frisa.

Prandi reconhece que, atualmente, há mais procura do que oferta de imóveis nos grandes centros urbanos de Portugal. Portanto, para se evitar que o novo fluxo de imigrantes para o país se torne uma pressão adicional sobre o mercado imobiliário, ele recomenda que o Governo adote medidas para estimular a construção civil a tirar empreendimentos imobiliários do papel. “Temos visto muitas construções de casas no país. Mas é preciso dar mais incentivos, como a redução de impostos. Em termos regulatórios, já se avançou bastante ao se reduzir a burocracia para os registros dos empreendimentos. Contudo, é preciso dar passos adiante e garantir moradia para todos”, destaca.

Murillo Penchel faz as contas do que pode representar, por exemplo, a redução do Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA), dos atuais 23% para 6%. “Com o IVA menor, o preço de venda de um imóvel de 400 mil euros (R$ 2,5 milhões) pode cair para 354 mil euros (R$ 2,2 milhões). É uma economia substancial”, afirma. Ele também sugere que terrenos agrícolas possam ser destinados para a construção de moradias, especialmente nos arredores de Lisboa, Cascais e Porto, as áreas mais inflacionadas. “Há opções para que se resolvam os atuais problemas na área de habitação e evitem que mais imigrantes pressionem o mercado”, acrescenta.

Na opinião de Bruno Gutman, o Governo, em parceria com os empresários, poderia estimular a construção de imóveis populares, avaliados entre 50 mil e 100 mil euros (R$ 315 mil e R$ 630 mil). Também poderia oferecer financiamentos bancários atrelados aos salários para a compra de casas e apartamentos. “Ou seja, os valores das prestações seriam descontados diretamente dos salários”, indica. “Não faltam alternativas ao Governo para que o acordo com os empresários avance. Reduzir os prazos para a emissão de vistos de trabalho para estrangeiros é muito importante, mas também é fundamental que as contrapartidas sejam rigorosamente cumpridas”, assinala.

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