Instituições de ensino superior receberam 218 queixas de assédio sexual e moral entre 2019 e 2023
Na sequência destas denúncias, foram instaurados 94 processos disciplinares neste período, que resultaram em 39 sanções disciplinares. Unidades de investigação receberam 13 queixas de assédio.
As instituições de ensino superior (IES) receberam 218 queixas de assédio entre 2019 e 2023, incluindo-se neste número denúncias de assédio moral, sexual e situações que incluem cumulativamente a prática destes dois tipos de assédio. Foram ainda abertos 94 processos disciplinares neste período, que resultaram em 39 sanções disciplinares.
Este balanço, conhecido esta sexta-feira, resulta do trabalho da Comissão de Acompanhamento da Implementação das Estratégias de Prevenção da Prática de Assédio nas Instituições de Ensino Superior, que foi nomeada pelos ministérios da Educação, do Trabalho e da Juventude e Modernização em Junho passado. É coordenada pela professora catedrática do Instituto Superior de Economia e Gestão, da Universidade de Lisboa, Sara Falcão Casaca, e integra representantes de várias entidades, desde os ministérios a representantes dos alunos, reitores das universidades e presidentes dos institutos superiores politécnicos, assim como da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género e ainda representantes dos estudantes.
Olhando mais finamente para os dados, 151 denúncias correspondem a casos de assédio moral, 41 a casos de assédio sexual e 26 a casos que conjugaram as duas práticas.
O trabalho da comissão incidiu ainda sobre unidades de investigação de gestão autónoma, onde foram recebidas 12 denúncias de assédio moral e uma de assédio sexual, que resultaram em três processos e em três sanções disciplinares.
Há algo que se destaca nestes dados: "Há um aumento muito considerável de denúncias em 2022 e nos anos seguintes", notou Sara Falcão Casaca. Coincide com a altura em que foram divulgados os dados sobre um canal de denúncias, que foi aberto pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa que recebeu 50 queixas de assédio e discriminação em 11 dias e desencadeou a participação de dezenas de denúncias noutras instituições.
Estes dados resultaram da aplicação de um inquérito junto das instituições de ensino superior, públicas e privadas, e de unidades de investigação, ao qual responderam 74 das 97 instituições (72,1% das 61 do sistema universitário e 83,3% das 36 instituições do sistema politécnico) e ainda 51,9% das 52 unidades de investigação.
Cerca de um terço das instituições e 15% das unidades de investigação que responderam ao inquérito declararam ter recebido denúncias de assédio moral. Já em relação às denúncias de assédio sexual, foram recebidas queixas em 19% e apenas uma numa unidade de investigação. Já 15% das universidades e politécnicos reportaram ter recebido denúncias de práticas simultâneas de assédio moral e assédio sexual.
Universidades sem canais de denúncia próprios
Este trabalho da comissão permitiu ainda concluir que "praticamente a totalidade" das IES têm hoje códigos de conduta e de boas práticas para a prevenção do assédio e canais de denúncia, ainda que num terço das instituições este código ainda não abranja toda a comunidade académica. É também "relativamente baixo" o número de IES que conta com canais de denúncia específicos para a participação de casos de assédio moral e/ou sexual, o que, como realçou a coordenadora da comissão, pode gerar desconfiança nas vítimas e dissuadi-las da denúncia.
É uma das falhas apontadas pela comissão, assim como a forma como a forma como as instituições dão seguimento às denúncias recebidas: em cerca de 75% das IES e 66% das unidades de investigação o canal de denúncia está associado a uma comissão interna, o que pode condicionar a avaliação das participações.
“Em casos tão sensíveis, a tramitação tem de ser diferente”, notou Sara Falcão Casaca, ressalvando a necessidade de garantir "um total distanciamento da relação entre as duas partes" — o que será apenas possível com uma comissão externa —, e a segurança das vítimas dentro do sistema. São também "poucas as instituições que prestam informação à comunidade académica e científica sobre como actuar perante uma conduta de assédio" e este deve ser um dos pontos a melhorar.
Outra das falhas apontadas neste relatório é que mais de um quarto das universidades e politécnicos não têm respostas de apoio psicológico para vítimas de assédio e violência sexual. No caso das instituições de investigação, mais de metade (56%) não tem esse tipo de reposta.
Intervindo no final da sessão onde foram apresentados estes resultados, o ministro da Educação, Fernando Alexandre, considerou que muitas das "situações de abuso" que acontecem no ensino superior se devem à endogamia académica. E que, por isso, no âmbito da revisão que está em curso do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), apresentará na próxima semana aos reitores e aos presidentes dos institutos politécnicos, uma proposta na qual prevê a impossibilidade de as IES contratarem os seus doutorandos durante um período de três anos.