2024, é hora de entoarmos a Oração para Desaparecer

Chegamos ao fim do ano. É tempo de retrospectivas e planeamentos. O ritmo de trabalho abranda, e o surto coletivo nos supermercados inicia-se. Mas o que levamos de bom na bagagem para 2025?

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Megafone P3 Daniel Rocha
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Acompanhei (até onde foi possível para um doutorando a escrever uma tese) as novidades literárias em língua portuguesa este ano e partilho algumas das que levo comigo:

Nos 100 anos do nascimento de Amílcar Cabral, a quem chamo pedagogo da revolução, a Fora de Jogo publicou O mundo de Amílcar Cabral, de José Neves, Rui Lopes e Victor Barros, e reeditou Análise de Alguns Tipos de Resistência, com textos do próprio revolucionário.

Também como reedição, saiu pela Editorial Caminho o clássico cabo-verdiano Chiquinho, de Baltasar Lopes, que fala sobre os trânsitos de uma criança num território castigado por condições climáticas adversas e pela pobreza, em parte herdada do colonialismo.

Vindo de Moçambique, Mia Couto desvendou-nos A Cegueira do Rio, seu novo romance editado pela Editorial Caminho, que, de agora em diante passará a ilustrar os livros do autor com obras de artistas moçambicanos. É importante dizer que, nos eventos de lançamento, Mia Couto não deixou de chamar a atenção para a instabilidade política que o seu país vive actualmente. Não percamos Moçambique de vista!

José Eduardo Agualusa também deu as caras, fazendo-nos voltar à Angola do início do século passado com o seu novo romance O Mestre dos Batuques, propondo um diálogo acerca do amor e da guerra e ajuda-nos a perceber com quantas ficções se constrói a História.

2024 também foi o ano da chegada a Portugal da obra de Conceição Evaristo, grande nome da literatura brasileira e da literatura negra internacional. A publicação de Canção para Ninar Menino Grande e Olhos d’Água demarca não somente essa chegada oficial da autora no país como também o início da aventura da editora Orfeu Negro pela ficção. Conceição Evaristo esteve veio pessoalmente para apresentar seus livros, tendo sido uma das grandes atracções do Festival FOLIO.

Destaca-se também a Oração para Desaparecer (Infinito Particular) de Socorro Acioli. A história, que conecta Brasil e Portugal, especialmente, mas que passa também por Moçambique, acontece entre as cidades de Almofala no Ceará (Brasil) e Almofala em Portugal. Reúne cultura indígena brasileira, religiosidade católica, protagonismo feminino e cultura portuguesa — tudo bem misturado pela inquestionável criatividade típica da autora. A mesma editora responsável por trazer Acioli a Portugal está prestes a publicar com texto inédito e prefácio de Mia Couto toda a obra de Carla Madeira, mais uma das autoras mais aclamadas do Brasil atualmente.

Não posso esquecer Alexandre Vidal Porto e o seu Sodomita, publicado em Portugal pela Tinta-da-china. A obra, que acaba de receber o Prémio Literário Biblioteca Nacional 2024 (Categoria Romance – Prémio Machado de Assis), conta a história de Luiz Delgado, desterrado para as “terras selvagens do Brasil” após ser surpreendido pela Inquisição em práticas homossexuais. O livro, que passa também por Angola, tem uma escrita muito divertida por ter o autor criado uma linguagem que remete ao português usado no século XVII.

Nos últimos momentos do ano chega Diplomacia Todo-o-Terreno: Jacarta, 1999, o Processo de Timor-Leste (Tinta-da-China), em que a jornalista Bárbara Reis entrevista Ana Gomes. Certamente há neste texto, que será o meu presente de natal para mim mesmo, bons pedaços da história contados e discutidos por essas duas grandes mulheres!

Para que fique registado, o brasileiro Itamar Vieira Júnior, autor de Torto Arado (publicado em Portugal após vencer, em 2018, o Prémio LeYa), alcançou a marca de um milhão de livros vendidos. Com o seu mais recente lançamento, Salvar o Fogo, foi agraciado este ano com mais um Prémio Jabuti, que também conquistara em 2019 com Torto Arado. Já na Polónia, foi inaugurada a Cátedra Paulina Chiziane, um espaço de pesquisa em homenagem à primeira romancista moçambicana e única mulher negra a receber o Prémio Camões.

Encerro esta listagem de boas novas na expectativa de que 2025 seja um ano literário igualmente empolgante e deixo aqui uma mensagem à jornalista Joana Gorjão Henriques: estou à espera do seu terceiro livro com a reunião das reportagens da série Racismo em Português 2, publicadas neste jornal por ocasião dos 50 anos da Revolução dos Cravos e que trataram dos momentos finais do colonialismo português e do “retorno do país às suas pequenas fronteiras”.

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