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Da Índia, Paulo Segadães trouxe um retrato de "espiritualidade profunda" e milenar
O músico e fotógrafo, ex-membro das bandas punk-hardcore X-Acto e Vicious Five, lança o seu primeiro fotolivro, Vrindavan, esperando transportar o leitor para "um lugar de beleza transcendental".
Quem gosta de música, em Portugal, poderá conhecê-lo por ter integrado a banda de punk-hardcore X-Acto, ainda nos anos 1990; ou então por ter sido o baterista de Vicious Five, banda que o jornalista do PÚBLICO Mário Lopes descreveu como sendo a que, entre 2003 e 2009, “rockava Lisboa como se o país a que pertence fosse o centro do mundo”. O seu nome pode também soar familiar pela sua participação mais recente no projecto de Paulo Furtado, The Legendary Tigerman, com quem tocou em vários cantos do mundo. Paulo Segadães é, no entanto, mais do que um músico: é um videógrafo, um realizador, um fotógrafo e um director de fotografia.
O primeiro fotolivro de Segadães, composto por imagens que realizou durante uma viagem de três semanas a Vrindavan, é dedicado ao retrato das comunidades e paisagens da cidade que é o centro nevrálgico da espiritualidade e cultura Bhakti Yoga, ou Consciência de Krishna, na Índia. Vrindavan vai ser lançado a 5 de Dezembro, na livraria Stolen Books, em Lisboa.
Se a viagem se materializou em Agosto de 2023, a semente para a sua realização teria sido plantada há cerca de três décadas, em 1993, o ano em que o então jovem Paulo, com apenas 16 anos, começou a interessar-se pela música da banda Youth of Today. “Esta banda tinha uma forma de ver o mundo diferente”, observa Segadães. ”Ou seja, eram apologistas de um estilo de vida positivo: não tomavam drogas, não bebiam álcool, eram vegetarianos. Esta banda influenciou imenso a minha vida porque eu passei a viver a minha vida segundo estes valores”, admite o músico que abraçou o movimento straight edge.
No final da década de 1980, Ray Cappo, vocalista dos Youth of Today, “teve um despertar espiritual” e tornou-se monge na Índia e noutros pontos do mundo. “Abraçou a espiritualidade de forma muito forte e a sua prática ficou associada ao Bhakti Yoga / Consciência de Krishna”, explica. Cappo formou uma nova banda, os Shelter, cujas letras assentavam nessa mundividência. Paulo gostava do som de Shelter, mas admite que, nessa altura, pouco ligava às letras. “Cresci numa casa em que não havia prática espiritual”, escreve. “O meu pai foi criado católico, mas não é praticante, e a minha mãe era filha de comunistas”, justifica. “Cresci ateu.”
A porta para a espiritualidade abriu-se para Paulo Segadães quando, em 2019, este se deparou com um directo de Ray Cappo no Instagram. O músico norte-americano “estava a falar da sua prática espiritual” para uma plateia de dezenas de pessoas, conta. “O que ele dizia começou a fazer algum sentido para mim e fiquei a ouvir. Ele fazia paralelismos entre essa tradição espiritual com mais de cinco mil anos e os dias de hoje.”
Os músicos tinham-se conhecido em 1999, em Portugal, e, nesse ano de 2019, voltaram a conectar-se. “Ele deu-me os códigos para as reuniões e comecei a participar praticamente todos os dias.” Foi assim, diz, que compreendeu o que é o Bhakti Yoga e a importância de Vrindavan nesse contexto, já que esse era “o sítio onde Krishna cresceu e viveu há mais de cinco mil anos”, refere, aludindo para “vários textos das escrituras védicas”. “Estes sítios ainda existem nos dias de hoje e são locais de peregrinação e devoção das pessoas praticantes de Bhakti Yoga.”
Fotografar em Vrindavan foi, para Segadães, apesar das temperaturas altíssimas que enfrentou, que rondavam os 40ºC graus, uma experiência muito positiva. “Quase toda a gente foi inesquecível”, recorda. “Andei muitos quilómetros com uma mochila às costas e com o meu equipamento e toda a gente que eu fotografava ficava fascinado com a câmara e a luz que usava para fotografar”, conta. O fotógrafo, acostumado a trabalhar em ambientes controlados, encontrou um novo desafio ao fotografar no exterior. “Ter os olhos sempre abertos com muita atenção a tudo. As pessoas que passavam, a arquitectura, os templos, as paisagens. Tentar captar olhares, expressões, momentos. Não foi muito fácil para mim.”
Feliz com o resultado, o livro que reúne mais de 200 fotografias, Segadães considera que a obra “transcende o documental”. “Acabei por tentar fazer um documento e representar Vrindavan numa verdade maior”, explica. Quis transportar o leitor para um lugar “de uma beleza transcendental, uma espiritualidade profunda”.
“Documentar um sítio que aparenta estar parado no tempo e mostrar a devoção das pessoas neste sítio, as paisagens e o ambiente transcendental que se vive através de uma prática espiritual milenar. Quis ir para Vrindavan com o objectivo de fotografar o mais possível e compilar as melhores imagens de forma a criar um livro de fotografia único.” E mostrar que, apesar das duas guerras que são transmitidas em directo nas notícias e nas redes sociais, apesar das “imagens de horror, morte e destruição”, ainda existe “alguma beleza no mundo”.
O artigo foi corrigido às 19:03; o livro não contém mais de 400 fotografias, mas sim mais de 200.