Luto, uma dor tão carente de sentido
Não queremos que nos digam para sermos fortes, precisamos apenas de abraços. Nada de dizer “foi melhor assim” ou “vai passar” — a dor do luto não desaparece com um estalar de dedos.
Os seres humanos são naturalmente predispostos às ligações afetivas, o que os torna igualmente vulneráveis ao sofrimento quando confrontados com a impermanência das relações perante a morte de alguém significativo. A vida é inevitavelmente abalada, desde os gestos simples do quotidiano, passando pela identidade no contexto social até à necessidade de encontrar um sentido para o que aconteceu.
O caminho que se segue é desafiador — aceitar com serenidade a finitude da vida daqueles que amamos é exigente e confronta-nos com a nossa mortalidade. Sendo repentino ou precoce, torna-se ainda mais cruel. Assemelha-se a uma batalha contra algo que sabemos irreversível e para a qual sentimos que não temos forças. Insistir em evitar o sofrimento é contraproducente; paradoxalmente, intensifica-o — aumenta o desgaste emocional e dificulta o processo de integração da perda. Precisamos de dar espaço à dor para não ficarmos presos a sentimentos dolorosos aos quais recusamos dar sentido.
Contrariamente à ideia de passagem por estádios fixos e limitadores que desconsideram a natureza idiossincrática do luto, a atribuição de significado após a morte requer a procura do que é distinto para a pessoa que lamenta aquela perda, aquela vida, naquele momento.
Deste modo, em vez de considerarmos a morte de alguém como o fim da relação, que é doloroso e gera desamparo, repensar a história da vida e a ligação que tivemos com aquela pessoa que tanto significa para nós ajuda a reorganizar a natureza da relação, entretanto modificada, de modo a dar continuidade e coerência ao vínculo previamente estabelecido. Tal implica a adoção de uma forma alternativa de preservar os laços com o ente querido — agora, através de memórias, homenagens e imagens, sendo igualmente relevante cultivar um sentimento de presença reconfortante em momentos de stress. Este processo de transformação relacional gera conforto. Para algumas pessoas, aquele que partiu continuará a apoiá-las não importa o que sintam, protegendo-as e amparando-as quando precisarem. Esta sensação acalma a dor.
Longe de ser um processo simples e exclusivamente individual, Robert Neimeyer, um reconhecido psicoterapeuta e investigador na área da morte e do luto, afirma que o desafio de atribuir sentido à perda e à vida após a morte de alguém significativo é profundamente emocional, intrínseca e inevitavelmente construído social e culturalmente. Tal consideração deve-se ao facto de frequentemente procurarmos simbolizar a perda, tanto a nível individual e familiar, como também através da comunidade e das esferas culturais onde estamos inseridos. O encontro do sentido da vida e da morte, bem como a partilha do mesmo, ocorre tanto de forma interna como relacional, através da comunicação e do significado. Contar histórias sobre a pessoa que morreu no círculo de amigos e na família ajuda a partilhar a dor e a manter viva a sua memória, dando continuidade ao vínculo afetivo que a une aos que lhe prestam a homenagem.
Que nos sirva de consolo alguém que nos ouça atentamente após a morte de um ente querido; que nos ajude a colocar em palavras aquilo que não conseguimos expressar; que nos ampare para acolher a tristeza sem receio; e que nos apoie na aceitação da raiva como uma expressão da vontade de recuperar aquela pessoa a todo custo. Não queremos que nos digam para sermos fortes, precisamos apenas de abraços. Nada de dizer “foi melhor assim” ou “vai passar” — a dor do luto não desaparece com um estalar de dedos. Há momentos em que nos sentimos mais fortes e outros em que isto não acontece. Está tudo bem.
O tempo cura tudo, dizem os mais velhos. Acho que o que eles querem dizer é que o tempo ajuda a acolher e a acomodar a dor até transformá-la em saudade. Não arrisco afirmar que a dor desapareça, talvez para alguns — respeito a individualidade do processo de luto.
Podemos criar um cantinho confortável para a dor e, quando mais serena, deixar que passe a fazer parte de nós. Sim, eu sei, a dor teima em aparecer quando quer; por isso, temos de lhe dar atenção, aceitá-la como a representação do amor e remetê-la ao seu espaço até que se acomode, sem que isto represente esquecer ou desmerecer quem amamos imensamente.