Candidatos à Casa do Douro defendem produção de aguardente para reduzir excedentes

Quer Rui Paredes, quer Sérgio Soares acreditam que a produção local de aguardente pode ser uma parte da solução. Entretanto, IVDP terá já dados preliminares sobre as uvas que permanecem por vindimar.

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A Casa do Douro vai a votos a 21 de Dezembro, principal desafio é resolver o problema dos excedentes de uva e vinho na região Paulo Pimenta
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Rui Paredes tem 57 anos, é gestor, pequeno viticultor, director da Adega Cooperativa de Favaios, presidente da Federação Renovação do Douro e vice-presidente do conselho interprofissional do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP). Dez anos mais novo, Sérgio Soares é engenheiro agrónomo, trabalhou na Real Companhia Velha, de onde saiu este ano para se dedicar a um projecto pessoal, de produção e distribuição de vinhos, de seu nome Rumo, em Tabuaço. São os dois candidatos à direcção da Casa do Douro, que tem eleições marcadas para 21 de Dezembro.

Ambos dizem estar preocupados com o gravíssimo problema dos excedentes crónicos na região demarcada e empenhados em que o drama da última vindima, em que vários produtores de uva deixaram cachos por apanhar na vinha, não volte a afligir o Douro. Recorde-se que a aflição vivida em Setembro foi tanta que o próprio IVDP pediu aos 18 mil viticultores da região que reportassem a quantidade de uva que haviam deixado na vinha por falta de destino para essa produção. A uva deveria ficar na vinha para verificação, informou o IVDP por email.

A data-limite para a submissão de respostas, mediante o preenchimento de uma folha de cálculo onde para além do desperdício de uvas deviam ser discriminadas as características das vinhas em causa, era 15 de Novembro. Questionada sobre o resultado dessa consulta, fonte oficial do IVDP disse estar "actualmente a avaliar a informação" que lhe havia sido remetida pelos viticultores, sublinhando que essas respostas tinham "natureza facultativa" e que as "parcelas não vindimadas [seriam] casuisticamente analisadas". "Quer dizer que estamos a fazer uma análise de cada caso específico de forma detalhada, considerando as circunstâncias ou situações particulares de cada um. Estamos a trabalhar nessa análise sem prazo definido para a sua conclusão", afirmou a mesma fonte, após insistência.

Apesar disso, o PÚBLICO sabe que na última reunião do Conselho Interprofissional o IVDP já foi avançado o resultado do levantamento junto dos viticultores: na última vindima, terão ficado por vindimar na região demarcada do Douro 237 parcelas, detidas por 73 entidades, totalizando 117,48 hectares. Situações que serão, então, agora escrutinadas nos próximos tempos. A contar com essa burocracia e logística é que a Associação dos Viticultores Profissionais do Douro (​ProDouro) tinha sugerido aos seus associados, ainda antes de o IVDP iniciar a sua consulta, que deixassem as uvas na vinha até 15 de Dezembro. Para que as perdas pudessem ser fiscalizadas.

Voltando aos candidatos à Casa do Douro, Rui Paredes congratulou-se, esta quarta-feira, por algumas das medidas propostas pela produção no Interprofissional estarem já no terreno, mas observou que faltava a "questão da aguardente". O candidato da lista B, do movimento "Douro Unido", que apresentava dez prioridades para "dar futuro" à viticultura e à região, defende a produção local de aguardente para incorporar no vinho do Porto, algo que tem vindo a ser reclamado por muitos produtores mas que conta com a oposição do comércio.

Rui Paredes realçou a capacidade que o Douro tem de "retirar excedentes e de os reintroduzir no produto", através precisamente da destilação para aguardente vínica. "Não queremos chegar ao ponto de arranque de vinha. O comércio está a propor o arranque de vinha, o que nós não queremos de todo porque isso vai levar ao abandono, ao êxodo, a região fica mais pobre", frisou.

Na terça-feira, Sérgio Soares também defendera a produção local de aguardente para incorporar no vinho do Porto como forma de evitar que voltássemos a ver uvas por vindimar no Douro. Depois de uma vindima marcada por dificuldades de escoamento de uvas e numa altura em que, apesar da destilação de crise, as adegas durienses continuam com os seus "stocks" de vinho atestados, o candidato da lista A diz defender "todo o tipo de medidas que impeçam que voltem a ficar uvas por vindimar na região". Só o Douro foi responsável pela destilação de 10,5 milhões de litros de vinho na última destilação de crise, 30% do total nacional, recebendo para tal um apoio de quase 8 milhões de euros — desse valor, 3,5 milhões saíram do orçamento do IVDP.

Sérgio Soares e o movimento que lidera são "cada vez mais contra o arranque de vinha" e a favor "que a aguardente seja exclusivamente da região". "Claro que tem que ter estudos que mostrem que é o caminho certo", advertiu. No documento em que apresentou as suas ideias para estas eleições, lê-se que a meta deve ser "garantir uma utilização crescente de aguardentes provenientes da região para o benefício", de forma a "mitigar o problema resultante da acumulação excessiva de stock".

"A região já viveu com aguardente 100% produzida aqui. Hoje em dia temos mais capacidade técnica, mais conhecimento que nos permitirá fazer melhor", referiu, garantindo que se pretende "defender o rendimento dos pequenos e médios viticultores".

O que mais propõem os candidatos?

Entre as prioridades da lista de Rui Paredes e do "Douro Unido" para a região, apresentadas em Vila Real, estão a dignificação da produção e dos produtores, o modelo de financiamento da Casa do Douro e o controlo do cadastro vitícola da região, que é considerado "crucial para a afirmação e autoridade da "nova" instituição. O movimento defende que as uvas que sobram após as vendas para as denominações Douro e Porto precisam de um destino, nomeadamente a destilação para aguardente vínica regional, bem como a instituição de um "benefício plurianual", ou seja, que a decisão sobre a quantidade de mosto que cada viticultor pode destinar à produção de vinho do Porto tenha uma "previsão para três vindimas".

A reconversão das vinhas e a mecanização, a implementação de um contrato colectivo de trabalho específico para o Douro, a renovação da Estação de Avisos do Douro, a criação da figura do provedor do vitivinicultor, a preservação do património vitícola e a preservação da memória histórica da cultura da vinha são outros objectivos da equipa de Rui Paredes, que inclui ainda Fernando Alonso e Justina Teixeira. A sua lista apresentou candidaturas ao conselho regional em 15 círculos eleitorais (concelhos).

Na terça-feira, Sérgio Soares, que encabeça o movimento "Devolver o Douro aos pequenos e médios viticultores" e disse à Lusa ter aceitado ser candidato para unir e dar voz aos pequenos e médios viticultores do Douro, concretizou que outra das medidas que defende é "a promoção". "Temos de promover o nosso vinho. Temos de pôr as pessoas a bebê-lo, a prová-lo e a comprá-lo, porque só assim é que vamos ter rendimento", elencou.

Na sua opinião, a "promoção deve estar com a Casa do Douro" e "sair da alçada do Orçamento do Estado", lembrando a cativação de verbas do IVDP, oriundas de taxas pagas pelos viticultores. A esse propósito, no início de Novembro, o ministro da Agricultura revelou ao PÚBLICO que, desde 2018, há “mais de 11 milhões de euros” de taxas cativadas pelo ministério das Finanças e sublinhou a sua intenção de, a partir de 2025, descativar "tudo”.

O movimento "Devolver o Douro aos pequenos e médios viticultores" fala ainda na necessidade de "combater a fraude que é vender vinhos como se do Douro fossem, quando não contêm sequer uma uva produzida e processada na região" e defende que o Governo deve devolver "os 3,5 milhões de euros que utilizou para dar aos destiladores", verba que deve ser usada na "tão necessária promoção do vinho".

Sérgio Soares quer, de resto, reforçar as atribuições da Casa do Douro, nomeadamente com o cadastro, e ainda apurar a situação patrimonial da instituição, reclamando uma "informação sistematizada sobre o processo de liquidação da Casa do Douro e a entrega do remanescente património". "Sabemos que a Casa do Douro do passado não vai voltar a existir, sabemos que não pode voltar a intervir no mercado, não pode influenciar preços, pode é ser um elo de ligação entre todos os intervenientes do mercado", frisou O caminho, segundo o documento da sua candidatura, "passa eventualmente por indicar preços mínimos obrigatórios".

E quanto à sede, um edifício histórico que está degradado, Sérgio Soares quer que "seja um espaço vivo" e que até se possa transformar numa "loja de cidadão para o viticultor" que o ajude a transpor as burocracias.

"Por favor, vão votar"

Rui Paredes, o candidato do "Douro Unido", apelou a uma forte mobilização dos viticultores para as eleições de dia 21: "O alerta que eu faço é: por favor, vão votar". Porquê? "É importante passar a mensagem que fomos escrutinados pela maior parte das pessoas da região. Por isso, mais do que dizer votem na Lista B, a mensagem é votem", reforçou.

"Tal como há 90 anos, o viticultor duriense está sem esperança, sem sorriso, sem futuro e só lhe resta aguentar", afirmou o candidato, salientando que "nas últimas décadas" a região ficou entregue "aos ditames de um mercado voraz" e que o "adiar de soluções trouxe a perda de rendimentos do pequeno e médio viticultor".

A Casa do Douro foi criada em 1932, em 2014 passou para uma gestão privada e regressa, agora, como associação pública. As eleições do próximo dia 21 serão o primeiro acto eleitoral na Casa do Douro desde que a instituição foi restaurada pelo parlamento como associação pública de inscrição obrigatória. Serão chamados a votar 19 mil viticultores, em 74 assembleias de voto espalhadas por 17 círculos eleitorais. O mandato a que se candidatam Rui Paredes e Sérgio Soares é de três anos.

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