Quais são os pontos fracos do enoturismo na Região Centro do país? A pergunta, num slide interactivo numa das apresentações iniciais da 12.ª edição das Jornadas de Enoturismo, que aconteceu na Bairrada entre 19 e 21 de Novembro, pedia a contribuição da plateia do Centro de Congressos de Aveiro, com palavras que pudessem descrever as dificuldades sentidas pelo sector na região: “divulgação” e “promoção” foram as mais votadas, a destacar-se no ecrã da apresentação feita por Adriana Rodrigues, directora de comunicação do Turismo Centro de Portugal.
O evento, realizado anualmente desde 2011 (com uma pausa durante a pandemia), uma organização conjunta das regiões vitivinícolas do centro do país (Bairrada, Beira Interior, Dão, Lisboa e Tejo), é uma oportunidade para profissionais discutirem os desafios do sector, com debates, networking, visitas a quintas e workshops.
Este ano, sob a organização da Comissão Vitivinícola da Bairrada, o destaque do evento foi para o potencial do storytelling como impulsionador do crescimento do enoturismo da zona que vê como principal ameaça a “concorrência” de outras regiões.
No discurso de abertura das Jornadas, Pedro Soares, presidente da Comissão Vitivinícola da Bairrada, destacou o papel da “construção de uma narrativa”, “o tal storytelling”, como lhe chamou, na “valorização dos recursos” da região. “É preciso perceber que o vinho não é só uma bebida alcoólica. O vinho, para nós, é uma forma de estar, faz parte da nossa gastronomia e é importantíssimo na valorização do território e na fixação da população e na economia, nomeadamente em territórios de mais baixa densidade.”
O presidente da Comissão Vitivinícola da Bairrada apelou à necessidade de “articular, coordenar e gerir bem esses recursos” entre todos. “Para que todo o valor já existente em cada uma das regiões possa ser exponenciado e possa traduzir-se em mais investimento, maior participação e mais visitantes”, afirmou.
Pedro Soares destacou a importância de atrair turistas de outras zonas mais exploradas do país. “Fala-se muito que temos regiões do país onde há turismo a mais. Nós precisamos de puxar essas pessoas de onde há maior densidade de turistas para locais onde há menor densidade de turistas.”
A sommelier e jornalista brasileira Elaine de Oliveira, na Bairrada pela primeira vez a convite da organização, foi uma das convidadas do painel “A Arte do Storytelling”, sobre a importância de contar boas histórias para atrair visitantes para o sector. “Brasileiro trabalha para ter férias para vir para Portugal”, brincou a sommelier que mora no Rio de Janeiro, sublinhado a importância do mercado brasileiro no panorama do enoturismo nacional.
Elaine de Oliveira partilhou várias dicas nas Caves São João, em Sangalhos, num workshop de criação de conteúdos para o Instagram, rede social onde tem mais de 22 mil seguidores. Por exemplo, como os três segundos iniciais de um vídeo são fundamentais para conseguir “agarrar” a audiência e chamar mais pessoas.
A sua página, Boa de Copo, é, sobretudo, visitada por utilizadores que não dominam a gíria do vinho, tal como a sua coluna, na revista “Marie Claire”. É por isso que a jornalista opta por usar expressões mais simples, como “uva” para designar “casta”, continua. “Assim as pessoas sabem o que é.”
Ao Terroir, Elaine afirmou que alguns produtores portugueses ainda têm uma “certa resistência” em promover os seus projectos de enoturismo através das redes sociais. “Talvez eles pensem que é uma modernidade muito grande, que pode pôr em causa a tradição”, comentou, acrescentando que as duas coisas se podem “complementar”.
Há dez anos, quando escolhia vinhos para as cartas de restaurantes no Brasil, os vinhos portugueses ficavam de fora. “Falavam que [vinho] português não vai vender”, conta. “Hoje, Portugal está em segundo lugar, empatado com a Argentina, no consumo no Brasil e isso se deve a todo o trabalho [de divulgação] que vem sendo feito. (…) Por exemplo, quando você traz um jornalista, ele não atinge meia dúzia de pessoas. Ele atinge um número gigantesco [de pessoas] com essa vinda.”
Elaine afirma que muitos dos seus seguidores lhe pedem recomendações de viagem para Portugal. “Os brasileiros estão muito atentos aos vinhos portugueses”, continua. “Dizem-me que estão juntando dinheiro para vir. É um investimento.”
A perfumista Cláudia Camacho, que se apresenta como a primeira perfumista independente portuguesa, outra das convidadas das Jornadas do Enoturismo, também criticou o “hermetismo da linguagem” que associava à sua antiga profissão, como gestora cultural, e que também reconhece no universo do vinho, sobretudo nas “recensões”, diz. “Aquilo de que tinha fugido na arte contemporânea, volto a encontrar nos vinhos. E a parte onde encontro mais hermetismo é na área do olfacto.”
Numa prova olfacto-vínica na Quinta dos Abibes, na freguesia de Aguim, a perfumista quis desconstruir esses preconceitos associados aos aromas dos vinhos, como faz há três anos em workshops em parcerias com produtores e projectos de enoturismo. “Recordamos 33% do que cheiramos, 5% do que vemos, 2% do que ouvimos e apenas 1% do que tocamos”, explicou, mostrando a importância do olfacto na construção da memória: “Para reconhecer, temos de conhecer.”
E deixou uma recomendação aos produtores: “Se estão com um grupo de americanos, de pessoas do Canadá, do Brasil, e vão dizer que o vinho cheira a esteva, estão a cometer um grande erro. Não há qualquer reconhecimento deste cheiro [nestes países]. Esta assunção de que o que eu determino num aroma é o que o outro tem de determinar, não funciona assim.”