Baloiçar em terra firme

A interrupção do nosso fluxo, causada por forças externas, pode levar à queda. Penso nos entraves: “Não vás. Não faças. Não penses. Não sintas.”

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"Volto a ter espaço para me movimentar" Matilde Fieschi
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Observo um avião a aterrar enquanto outro levanta voo. Um abranda, o outro acelera. A semelhança na velocidade é um engano da mente, influenciada pela distância e pela percepção. O movimento rápido dos objetos pode enganar os nossos sentidos, criando a impressão de que se encontram no mesmo intervalo de tempo. Esta percepção distorcida reflete a maneira como normalmente percebemos o movimento à nossa volta e, talvez, a vida.

Chego à estação de metro da Encarnação e desço as escadas para um espaço amplo e silencioso. Compro um bilhete, mas, por não conhecer bem as linhas do metro de Lisboa, hesito junto às escadas rolantes, tentando encontrar uma direção. Uma rapariga aproxima-se em passo rápido. Pergunto-lhe por onde devo descer para seguir para a Alameda. Já com os dois pés no primeiro degrau das escadas rolantes, ela hesita, interrompe o seu movimento para a frente. Tenta recuar, tropeça, mas consegue equilibrar-se e voltar a um porto seguro. Tira os headphones.

— Diga, diga —, diz-me, um pouco atrapalhada.

— Para a Alameda?

— É por aqui —, diz, apontando na direção das escadas rolantes.

Agradeço-lhe e sigo-a até à plataforma. Sento-me e penso que a pobre rapariga quase caía pelas escadas abaixo por ter cessado o movimento. A interrupção do nosso fluxo, causada por forças externas, pode levar à queda. Penso nos entraves: "Não vás. Não faças. Não penses. Não sintas."

O metro chega e entro. Sou um peão levado pela rapidez do comboio nas profundezas da cidade. Aqui, o meu controlo sobre o movimento é limitado, apesar de poder escolher como me movimentar. Penso nas pessoas que estão restritas aos espaços que frequentam: "Não podes entrar ali. Aquele espaço é reservado. Daqui não sais. Não te atrevas a sair. Se saíres, não voltarás a entrar."

O metro para na Alameda e saio. Volto a ter espaço para me movimentar. Face às escadas rolantes repletas de gente, escolho subir as escadas. Juntam-se a mim um idoso de farta e despenteada cabeleira branca (imaginem Einstein), apoiado numa bengala, e a rapariga que parou para me explicar por onde deveria seguir para apanhar o metro para a Alameda, quase caindo por causa disso. Terá ficado receosa de andar nas escadas rolantes? Gata escaldada de água fria tem medo. Penso nos escaldões da vida: "Não volto a meter-me noutra; e se torna a correr mal?; tenho medo de passar pelo mesmo novamente; valerá a pena arriscar." É justamente essa incerteza que me faz agir. Escolho entrar novamente no espaço condicionado do metro.

O comboio chega à estação do Cais do Sodré e saio. Centenas de pessoas caminham automatizadas, seguindo a mecânica de um pé à frente do outro, com variações de estilo e ritmo. A maioria caminha em silêncio. Surrealismo: muitos dos que caminham à minha frente, por levarem o queixo colado ao peito, parecem não ter cabeça, mas saliências cabeludas em cima do pescoço.

O cliché dos tempos que vivemos: o ser humano e o seu inseparável ecrã. Pego no meu para tirar algumas notas. Segundos depois, tropeço num degrau e quase caio. Oiço algumas gargalhadas. São os miúdos que caminhavam ao meu lado. Eis, senhoras e senhores, a prova em direto da desadaptação do ser humano ao meio que o rodeia. Neste caso, uma desadaptação resultante da nossa obsessão e dependência de um aparelho. Escreveu Charles Darwin que nenhum arquiteto do cosmos projetou os seres vivos. Foram os seres vivos que se adaptaram ao ambiente onde viviam. As três características fundamentais da nossa espécie — a posição ereta, o cérebro grande e a faculdade da linguagem — evoluíram em paralelo. A primeira, estar direito, permitiu as outras e decretou um decisivo e extraordinário processo de seleção natural que nos trouxe até onde estamos.

Encontro-me sensivelmente a meio do pelotão, agora de cabeça bem erguida. Observo uma pessoa que coxeia e que estou prestes a ultrapassar, e outra que leva muletas, mas que desconfio de que não conseguirei alcançar, pois, com o balanço das duas pernas acessórias — três a calcar o chão — movimenta-se mais depressa do que eu. Adaptação à adversidade que resulta em vantagem.

Sou agora tomado pelo comboio que me levará mais próximo do meu destino final. Ao fundo da carruagem, está a rapariga com quem me cruzei na Encarnação — não a estou a perseguir, juro; são apenas movimentações coincidentes. Tem o telemóvel na mão e está parada. Há largos minutos que não se move. Não está a dormir; tem os olhos bem abertos, mas nem as órbitas se movem para captar algum pormenor da paisagem que vai vendo afastar-se. Há esse encanto em viajar de costas num comboio: o movimento à retaguarda congela a paisagem, que se vai afastando, afunilando, até cessar e se tornar um ponto escuro.

A vida é um movimento constante entre percepções, incertezas e adaptação. Conheço um senhor que trabalhou tantos anos na pesca do bacalhau que, ainda hoje, em terra firme, continua a baloiçar como se estivesse no mar.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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