Nem mar, nem terra: o terroir único da Herdade do Cebolal
Com um projecto sustentável que começou em 2012, Luís Mota Capitão está a mudar drasticamente a paisagem da herdade de família. Não há químicos adicionados e é a natureza que molda os vinhos.
Luís Mota Capitão foi o primeiro produtor a sul do Sado a pôr garrafas de vinho a estagiar no fundo do mar. “Devemos ter sido até os primeiros do país”, assegura, enquanto nos mostra uma garrafa de “vinho do mar”, como lhe chama, que esteve um ano e cinco meses debaixo de água. Ao vidro, agarraram-se corais, que são o rótulo do projecto Cebolal Imerso, um sucesso de marketing que inspirou outros produtores a fazer o mesmo.
Com uma centena de garrafas depositadas a 20 metros de profundidade junto à marina de Sines e uma pequena parte em Porto Covo, “onde é cada vez mais difícil fazer isto por ser uma reserva natural”, explica. O mar vai dando outras notas ao vinho, bem diferente daquele que estagia em terra, na adega recuperada em 2013 em Vale das Éguas, onde fica a Herdade do Cebolal. “O mar funciona como shaker diário”, continua. “Temos ondulação e temos pressão e ao fim de um ano, dois anos, o vinho do mar é mais velho do que o vinho da terra, com um sabor mais mineral.”
A Herdade do Cebolal, já na quinta geração familiar, pertencia ao trisavô de Luís. Em linha recta, fica a 10 quilómetros de Porto Covo. “Parece interior, mas é litoral”, afirma Luís. Daí que se tenha também sentido atraído a explorar o potencial do ecossistema marítimo. “Apesar de Sines ser vista como uma zona poluente e industrial, é uma zona rica em corais e tem uma coisa interessante: cavalos-marinhos. Da mesma maneira que eu penso no ecossistema aqui na herdade, com joaninhas, morcegos e borboletas, vejo o cavalo-marinho como o meu pesticida natural. Significa que a água é de boa qualidade.”
Luís, agora com 35 anos, engenheiro bioquímico, mudou-se definitivamente de Lisboa para o Alentejo há 17 anos, para a herdade perto de Santiago do Cacém – atrás do Sol Posto, uma localidade ali próxima – que representa duas regiões, mas não se parece com nenhuma. “Geograficamente estamos no Alentejo, na costa alentejana, mas a denominação de origem [dos vinhos] é de Setúbal. Para mim, esta região não é nem Alentejo nem Setúbal.” É um híbrido, garante, a beneficiar de uma amplitude térmica que chega a ser de 20 graus no Verão, com noites frias, mas dias quentes, a chegar aos 39 graus.
Em 1890, o trisavô de Luís, um professor de latim natural de Cebolais de Cima, em Castelo Branco, terá sido desafiado pelo irmão, padre em Abela, perto do Vale das Éguas, a dar aulas para colmatar a falta de professores na zona. O latim mostrou-se desnecessário e só a trisavó de Luís conseguiu dar aulas de português. Foi nessa altura que o trisavô decidiu comprar a herdade e dedicar-se a um projecto agrícola com montado, olival e vinha.
Luís e a mãe, Isabel, são agora os herdeiros dos 85 hectares de terreno (20 dos quais com vinha), que desde 2012 estão a ser convertidos “para uma filosofia orgânica”, explica. Não é coisa que se faça de um dia para o outro. São precisos no mínimo “cinquenta anos” e muita dedicação, seguindo os princípios da agricultura sintrópica e regenerativa.
Na herdade, Luís está habituado a mostrar os seus progressos a turistas, curiosos e até escolas. Faz questão de que seja ele ou a mãe a fazer a visita, para que seja uma coisa mais próxima e “pedagógica”. Também são eles que fazem as provas de vinhos e escolhem os produtos para acompanhar, normalmente queijos e enchidos locais.
Quando Luís iniciou o projecto de reconversão da herdade, mudou “drasticamente a paisagem”, afirma. O seu objectivo era passar da monocultura para uma “biodiversidade ecológica”, com várias espécies, de forma a criar microflorestas, com um clima próprio, mais resistentes a pragas. “Estamos a falar de 500 árvores plantadas”, explica. “Daqui a dois ou três anos, a ideia é passarmos a 900 árvores.”
Numa pequena parcela, Luís tem na mesma linha um medronheiro, uma figueira, uma roseira, uma pimenteira e lentisco. Também nas vinhas há tremoços, ervilhas, favas, cereais e outros legumes plantados entre cepas. “Se damos fontes de alimento ao solo, as pragas vão permanecer muito mais tempo na terra do que na videira”, garante. “E como não trabalho com adubos, preciso de trabalhar com leguminosas, que são ricas em azoto.”
As roseiras nas extremidades da vinha ajudam-no a identificar pragas. As ovelhas também funcionam como “herbicida natural” e os “morcegos, borboletas e joaninhas” servem de pesticidas.
A identidade dos vinhos seguiu esta nova abordagem, com vinhos de baixa intervenção, mais frescos e menos alcoólicos. “São vinhos que não necessitamos de manipular. Temos todas estas condições naturais que me permitem mostrar este carácter de vinhos de costa.”
Herdade do Cebolal
Vale da Água (Santiago do Cacém)
Tel.: 914612466
Web: herdadedocebolal.pt
Visita com prova desde 29 euros por pessoa
Este artigo foi publicado no n.º 8 da revista Solo.