A dona da Zara aumentou drasticamente o recurso ao transporte aéreo de mercadorias para transportar as roupas das fábricas na Índia para o centro logístico da Inditex, em Espanha. O objectivo é evitar atrasos na expedição, de acordo com dados comerciais, mas a estratégia está a gerar preocupação nos especialistas do sector.
A mudança levanta questões sobre a forma como o maior grupo de fast fashion do mundo está a progredir para atingir o objectivo de reduzir para metade as emissões de “âmbito 3” — as emissões indirectas — uma vez que o transporte aéreo produz índices de carbono significativamente mais elevados do que o transporte marítimo.
Desde que a insegurança no Mar Vermelho perturbou as habituais rotas marítimas globais, que os retalhistas de vestuário aumentaram a utilização do transporte aéreo de mercadorias.
Dados confidenciais partilhados com a Reuters sobre os envios da Inditex a partir da Índia e do Bangladeche, dois dos seus principais países fornecedores, mostram a dimensão desta mudança e as repercussões para os objectivos climáticos da indústria da moda.
A Inditex enviou 3865 remessas por via aérea a partir da Índia nos 12 meses até ao final de Agosto deste ano, um aumento de 37% em relação ao ano anterior, de acordo com a análise da Reuters dos registos de encomendas do fornecedor de dados comerciais Import Genius. Desse número, 3352 foram enviados desde 1 de Janeiro — após o aumento dos ataques a navios porta-contentores no Mar Vermelho.
A quota do transporte aéreo nos envios da Inditex a partir da Índia aumentou para 70% nos primeiros oito meses deste ano, contra 44% no ano passado, de acordo com a análise dos dados aduaneiros que a ONG suíça Public Eye partilhou com a Reuters. Em relação ao Bangladeche, essa percentagem subiu de 26% para 31%.
Em resposta às perguntas da Reuters sobre os dados do transporte aéreo, a Inditex informou que usa o transporte marítimo para a “grande maioria” dos produtos da Ásia, mas em circunstâncias excepcionais, como a crise do Mar Vermelho, pode ser necessário recorrer a outros meios de transporte.
A Inditex confirmou que metade dos fornecedores se encontra em países próximos do seu principal mercado europeu, como Marrocos, Portugal, Espanha e Turquia. Mas os dez principais países de origem do vestuário incluem também o Bangladeche, a China, o Paquistão e a Índia.
A maior parte das encomendas aéreas da Inditex da Índia para Espanha chegou a Saragoça, um centro logístico fundamental para a Zara. De acordo com uma fonte sindical, o grupo representa cerca de dois terços da actividade de carga no aeroporto local. Os dados revelam igualmente que o movimento de carga aumentou 39% entre Janeiro e Setembro, em comparação com o mesmo período do ano passado.
Sinalizando uma tendência mais ampla, os dados da Agência Espanhola de Comércio mostraram que o valor geral dos produtos de moda trazidos para Espanha por via aérea aumentou 28% no ano até Setembro em relação ao mesmo período de 2023.
Objectivo de emissões
O uso do transporte aéreo pode aumentar as emissões de transporte da Inditex, que subiram 37% em 12 meses até 31 de Janeiro em comparação com 2022, de acordo com cálculos da Reuters baseados nos relatórios anuais do grupo.
Este tipo de transporte representou 12,1% de emissões totais em 2023, acima dos 8,4% em 2022, embora a Inditex tenha dito que as mudanças feitas na metodologia de relatório tornaram os números de 2023 impossíveis de comparar com 2022.
O objectivo da Inditex é reduzir para metade as emissões do "âmbito 3" — que incluem os transportes — até 2030, face ao nível de 2018. No ano passado, no entanto, essas emissões totalizaram 16.418.450 toneladas métricas de CO2 equivalente, traduzindo-se num aumento de 0,2%. Um porta-voz afirmou que a empresa está a trabalhar arduamente para reduzir as emissões através de medidas como combustíveis alternativos, optimização de rotas e níveis de ocupação.
O aumento das emissões dos transportes obrigaria a Inditex a procurar maiores reduções noutras etapas da cadeia de abastecimento, como a produção e o processamento de materiais, para atingir o objectivo. Na reunião anual de accionistas, em Julho, um grupo de investidores da rede Shareholders for Change pediu à administração que fornecesse dados sobre as emissões de carga aérea e apresentasse estratégias para as reduzir.
Contudo, outros investidores declararam à Reuters que apoiam a utilização do transporte aéreo de mercadorias pela Inditex para evitar atrasos nos envios, que podem obrigar a recorrer a descontos para escoar o excesso de stock.
“A curto prazo, preferimos que a Inditex faça o que é necessário para continuar a apoiar a rentabilidade do negócio e a capacidade de gerar dinheiro, desde que continue a ser capaz de reduzir as emissões globais de gases com efeito de estufa”, defendeu Nick Clay, gestor de carteira da Redwheel Income Strategy em Londres, que detém acções da Inditex.