Viva o desporto no feminino!

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1. Tudo parece ter começado (desengane-se o leitor, pois é possível, mesmo a nível nacional, encontrar contributos datados de 2001 – Madalena Santos, “A desporto igual, prémio igual! Ex aequo, n.º4, 2001, pp. 103-112), com uma notícia no Expresso que referia, em destaque, o seguinte: “É intolerável que no mesmo desporto os homens sejam melhor remunerados que as mulheres”: BE quer fim da disparidade salarial nas selecções”.

Contudo, a notícia não contém essa ênfase. Com efeito, refere-se que “O Bloco de Esquerda vai incluir uma proposta de alteração ao Orçamento do Estado para acabar com a desigualdade salarial entre homens e mulheres nas selecções nacionais. A medida prevê a elaboração de um estudo e negociações com as federações desportivas”. Em suma, concordaremos com facilidade, uma posição pensada, moderada e, a meu ver, positiva.

Daqui partiu, julgamos nós, João Miguel Tavares (JMT) para um texto intitulado “Homens e mulheres devem ganhar o mesmo no futebol? Não”, publicado no passado dia 19. Para além do contraste entre a amplitude desportiva da notícia do Expresso e o reducionismo sensacionalista de JMT, a sua opinião levanta-nos sérias reservas.

2. A participação em selecção ou representação nacional é vista pelo Estado português, mesmo normativamente, como matéria de interesse público, merecedora de apoios públicos. Esta leitura não se prende somente com a projecção de Portugal no Mundo, por via da “performance”; encontra-se também fundada no efeito multiplicador, na base, dos resultados alcançados internacionalmente, sendo um relevante factor de captação para a prática desportiva.

3. Para JMT o fundamental – sempre com a atenção no futebol – para a diferença de tratamento é a “performance concreta, até porque é a qualidade dessa performance que atrai multidões e confere ao desporto de alta competição o seu sentido.” E continua “Ora, quando olhamos para um desporto com as especificidades do futebol, homens e mulheres não estão a fazer exactamente o mesmo. Uma mulher deve ganhar o mesmo do que um homem numa empresa porque o seu trabalho tem qualidade equivalente. No futebol não tem.”

E não pára nesta visão machista e economicista: “Se olharmos para o futebol apenas pelo lado da performance pura, não só não há desigualdade entre homens e mulheres como já há discriminação positiva — as jogadoras da selecção feminina portuguesa ganham muito mais do que muitíssimos homens que jogam muito melhor do que elas.”

E chegamos inevitavelmente à verdade pura e dura da opinião de JMT: “A razão pela qual os homens ganham muitíssimo mais do que as mulheres no futebol ou no basquetebol é simples: ao contrário da ginástica ou do ténis, o jogo masculino é muito mais atraente do que o feminino. É isso que capta a nossa atenção. E é essa atenção que vale dinheiro.”

4. Esta confissão, que desconhece ou não quer conhecer que há um desporto no feminino, naturalmente diverso em algumas modalidades desportivas – não havendo nenhum mal por isso -, como expressão de um direito fundamental ao desporto consagrado no texto constitucional (artigo 79.º), trouxe-nos à memória uma célebre decisão do Tribunal Constitucional sobre a desigualdade nos prémios atribuídos a atletas sem ou com deficiência. Criticámo-la e fomos bem acompanhados pelo professor Vieira de Andrade.

A mesma lembrança teve o jurista Victor Hugo Ventura na rede social LinkedIn (que pena não ganhar espaço público). Com a devida vénia, o autor, relembrando a decisão do Tribunal Constitucional, afirma: "No entanto, no caso do futebol feminino, este entendimento sempre contaria com o obstáculo suplementar a que já fizemos referência: a proibição da discriminação em função do género. Com efeito, este valor constitucional não poderia ficar refém do valor mediático ou da projecção da competição. Por outro lado, ainda que se reconheça que o desporto feminino não está, nesse aspecto, ao nível do masculino, do que se trata aqui é de uma questão de princípio: a ideia de que, em qualquer caso, está sempre em causa a representação nacional e o mérito desportivo, quer sejam homens ou mulheres (ou, naquele caso, homens e mulheres portadores de deficiência).

Parafraseando José Carlos Vieira de Andrade, em comentário àquele acórdão, uma diferenciação dos valores pagos, em função do género, seria avaliar as futebolistas femininas "como se fossem medíocres, de segunda classe no valor e no mérito".

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