Da revolução de Abril à especulação imobiliária: (mais) cinema português em França

Neste fim-de semana e no próximo, em Lille e em Villeneuve d’Ascq, uma sequência de filmes desenha um arco narrativo: da revolução de ontem à especulação imobiliária nas cidades portuguesas, hoje.

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Belarmino lança, este sábado em Lille, o programa de filmes e debates Cinéma portugais. 50 ans du 25 Avril 1974
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Declinado em dois tempos e dois lugares, um programa Cinéma portugais. 50 ans du 25 Avril 1974 começa este sábado em Lille, França. Belarmino, de Fernando Lopes (1964), apresentado pelo ex-director da Cinemateca Portuguesa, José Manuel Costa, e ainda com a presença da programadora da mesma instituição, Joana Ascensão, é o filme que lança um conjunto de nove longas-metragens e uma curta-metragem que volta a pensar a herança da revolução dos cravos. Acontecerá no Palais des Beaux Arts, às 19h30.

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Bom Povo Português, de Rui Simões: este fim-de-semana em Lille

Domingo, há programa para o dia inteiro: às 10h30, As Armas e o Povo, do colectivo Trabalhadores da Actividade Cinematográfica, formado por realizadores e técnicos, com um fôlego que respira o dia do golpe de Estado e a manifestação do 1.º de Maio de 1974; às 14h30, Bom Povo Português, de Rui Simões (1980); às 17h15, num momento que já era de auto-análise, em que a revolução se questionava, o ensaio de Alberto Seixas Santos Gestos e Fragmentos (1982); às 19h, uma conversa sobre todo esse património, de novo com José Manuel Costa e animada pelo historiador de cinema português Jacques Lemière, responsável pela associação Cineluso, cujo objectivo é o conhecimento e a divulgação do cinema português.

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Ventura em Cavalo Dinheiro, de Pedro Costa

Jacques Lemière é o programador desta iniciativa, aliás. Concebeu este primeiro módulo, que intitulou Portugal 1964-1982, "Au plus près du PREC — Processus révolutionnaire en cours — et de son bilan", sobre o cinema e o PREC, e depois um segundo, Portugal aujourd'hui, 2014-2023. Assim desenha uma sequência do passado ao presente, que se concretizará no fim-de-semana seguinte no cinema Meliès de Villeneuve d'Ascq. Dia 30, às 14h30, A Fábrica de Nada, de Pedro Pinho (2017), filme de uma perplexidade libertadora sobre o trabalho e o futuro da actividade humana; às 18h, No Táxi de Jack, de Susana Nobre (2021), às 20h15, A Morte de uma Cidade, de João Rosas (2022), que participará numa conversa no final da sessão, de novo animada por Lemière. Um dia depois, às 18h30 As Filhas do Fogo, curta-metragem de Pedro Costa (2023) que nos diz algo sobre os caminhos da sua próxima longa; e às 18h40, ainda de Costa, Cavalo Dinheiro (2014).

Como diz o programador ao PÚBLICO por email, o passado neste ciclo "é o tempo da censura (o Cinema Novo, o seu esforço de falar apesar de tudo, mesmo que de forma enviesada pela metáfora, sobre o estado do país), antes do tempo da liberdade". E se a imagem que resulta não é consensual é porque "restitui a complexidade desses anos revolucionários". Já o presente "olha do ponto de vista dos trabalhadores, 50 anos depois, quer eles sejam os 'trabalhadores de Portugal' ou 'de Portugal e vindos das ex-colónias'", e mostra o que "especulação imobiliária" e "o excesso de turismo fazem às cidades do país, em concreto a Lisboa".

A passagem dos 50 anos do 25 de Abril, não como ritual celebratório mas como desencadeador de pensamento e questionamento, está também na origem do ciclo The Ongoing Revolution of Portuguese Cinema, que decorre no Museum of Modern Art de Nova Iorque, e justifica, no último dia do primeiro Olá Paris!, novo festival dedicado ao cinema português que se realiza na capital francesa no final deste mês, um conjunto de documentários e debates a que se chamou "Um Olhar Sobre a Revolução dos Cravos".

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