A chave para a felicidade dos mais velhos é...
Temos de ter cuidado em não tornar o “Envelhecimento Ativo” num slogan paternalista, em que há uma comissão (de gente nova, provavelmente) a ditar como é que os mais velhos devem, ou não devem, viver.
Querida Mãe,
Venho dar-lhe uma boa notícia. É possível rejuvenescer! E melhor ainda, não precisa nem de cremes caríssimos nem de plásticas… Chama-se mexer! Depois de vários anos de maternidade intensiva, noites mal dormidas e a sensação de cansaço e dores permanentes, irritava-me profundamente qualquer alusão a ir ao ginásio. Irritava-me a pressão sobre a mulher que no meio deste turbilhão ainda é suposto ter de arranjar tempo para se dedicar a uma coisa que tem um custo físico elevado e que a um corpo exausto se assemelha a tortura. Ainda por cima, cereja no topo do bolo, associado à ideia do corpo lindo e superelegante, que toca logo noutra vulnerabilidade.
Então como é que me rendi e passei para o “outro lado?” Pelo prazer da escalada e do desafio. Ou seja, para o rejuvenescimento funcionar, é preciso encontrar algo que nos dê prazer fazer, mas que envolva o corpo, porque já temos tempo a mais com a nossa cabeça. E foi através desse prazer que, por efeito secundário, fui ficando mais forte, com mais mobilidade. E sabe o que percebi? Que já tinha desistido. Achava mesmo que aos 38 anos não era possível voltar a ser assim tão flexível ou tão forte. Tinha aceitado que estava no caminho inevitável de ficar mais velha, com mais dores, e por aí adiante. Enganava-me!
Espere, mãe, há mais: o facto de me sentir fisicamente mais capaz levou-me a ter mais energia e mais vontade de brincar com os meus filhos. Sinto-me melhor no meu corpo, e não é curioso que isso não tenha nada a ver com o que vejo no reflexo do espelho? Por isso, sim, é preciso ajudar novos e velhos (inclua-se na categoria que quiser) a mexerem-se.
Minha querida Ana,
Isso é tudo muito bonito, mas já me estás a cansar. E, por favor, não me mandes fotografias tuas pendurada num penhasco qualquer por um fio porque não preciso de adrenalina extra e para medos já tenho o quanto baste.
Além do mais, confesso-te que o meu grande objetivo é aprender a ficar quieta e com os pés bem assentes na terra. Falando muito a sério, temos de ter cuidado em não tornar o “Envelhecimento Ativo” num slogan paternalista, em que há uma comissão qualquer (de gente nova, provavelmente) a ditar como é que os mais velhos devem, ou não devem, viver.
É ténue a linha que separa políticas e apoios, que são bem-vindos, de um discurso condescendente que parte do princípio de que só há uma forma boa de envelhecer e, sobretudo, que o nosso valor depende do que estamos a “fazer” — a pergunta é sempre: “Então, e o que é faz agora?”. Queres saber o que me apetece responder depois da vitória do Donald Trump? “Nada! Vendi a televisão e entrei para um convento de clausura!”
Por isso, ao jeito de testamento vital, digo-te que há metas que levei uma eternidade a conquistar e que farei uma Birra de Mãe gigante se algum dos meus filhos as quiser deitar por terra. Por exemplo, como sabes, adoro estar acordada até tarde e odeio levantar-me cedo, mas por azar o relógio biológico da minha mãe — e da escola/trabalho — sempre boicotaram uma manhã passada com as almofadas. Agora que começo a ser capaz de calar o grilo falante que me acusa de preguiça, imagina que vos dá para me “matricularem” num Centro de Dia que começa às oito da madrugada? Não invento, vejo o que acontece às minhas vizinhas! Ana, para ir jogar à bisca para uma instituição? Poupa-me.
E quem é que disse que preciso de convívio, de comida saudável, de ginásio para ter uns bíceps mais gordinhos que me permitam usar um vestido sem mangas, de praticar voluntariado, só porque sim? Desculpa, estou um bocadinho rabugenta hoje, mas se a tua energia reencontrada chegar para passares por cá, com os meus netos, gosto muito.
De novo, muito a sério. Desconfio que essa é que é a chave para a felicidade dos mais velhos — deixarem de lado o orgulho e conseguirem pedir ajuda, companhia, conversa, o que for, sem o terror de estarem a pesar naqueles que mais amam.
Até breve.
O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990