A cimeira do G20 que começa esta segunda-feira no Rio de Janeiro está irremediavelmente marcada pelas ausências, mais do que pelas presenças. Os vários esforços dos organizadores para que seja alcançado um compromisso para taxar os mais ricos à escala global ameaçam cair por terra perante a sombra de Donald Trump.
O Presidente brasileiro, Lula da Silva, que acolhe os líderes das maiores economias do planeta, fez do combate à pobreza o grande desígnio da cimeira desta semana. Em Julho, os ministros das Finanças do G20 chegaram a um acordo para que fosse aberto um “diálogo sobre uma taxação justa e progressiva, incluindo dos indivíduos com rendimentos ultraelevados”, ou seja, os super-ricos, cujo número global tem subido aceleradamente na última década.
Na prática, o plano ambicionado pelo Governo brasileiro iria permitir a introdução de um imposto anual de 2% sobre as fortunas dos mais ricos do mundo, correspondentes a 0,01% da população mundial. Segundo cálculos do economista francês Gabriel Zucman, que concebeu esta taxa, por ano seria possível recolher cerca de 237 mil milhões de euros entre os cerca de 2800 bilionários com rendimentos no nível exigido. Esses fundos seriam canalizados para os países mais pobres, com o objectivo de mitigar as desigualdades a nível mundial.
“A taxação dos indivíduos com rendimentos muito elevados é muito importante por poder vir a ser uma fonte para financiar iniciativas de combate à fome e à pobreza, e também para lidar com as alterações climáticas”, disse à Deutsche Welle o investigador do Instituto para Estudos Latino-Americanos do GIGA, um think tank alemão, Tomas Marques.
Nos últimos meses, o imposto sobre os super-ricos tem sido defendido ardentemente por Lula e, apesar de algumas resistências, parecia vir recebendo um bom acolhimento por parte de outros líderes. “Nunca antes o mundo teve tantos bilionários, estamos falando de 3000 pessoas que detêm quase 15 biliões de dólares em património”, dizia o Presidente brasileiro em Junho. “Isso representa a soma das riquezas do Japão, da Alemanha, da Índia e do Reino Unido: é mais do que se estima ser necessário para os países em desenvolvimento lidarem com as alterações climáticas”, acrescentou na altura.
EUA rejeitam taxa
O principal obstáculo está nos EUA. Em Julho, a secretária do Tesouro, Janet Yellen, já tinha mostrado reservas a que fosse criada um imposto a nível global, afirmando que a posição de Washington é a de que “todos os países deveriam garantir que os seus sistemas fiscais são justos e progressivos”.
Ainda assim, a assinatura do acordo de princípio na reunião de Julho dos responsáveis das Finanças foi vista como um progresso assinalável pelos diplomatas do G20.
As semanas que antecederam a cimeira do Rio ficaram marcadas, porém, por um travão às ambições do Governo brasileiro, que receia ver cair por terra o imposto aos super-ricos. A eleição de Trump no início do mês é o principal factor, sobretudo pelo historial do republicano em rejeitar aumentos de taxação – durante o seu mandato presidencial, os impostos sobre os mais ricos foram aliviados.
Embora Trump não venha a estar no Rio de Janeiro, terá na cimeira o seu grande aliado, o Presidente argentino, Javier Milei, que se reuniu com o Presidente eleito esta semana na Florida, naquele que foi o primeiro encontro com um líder estrangeiro desde as eleições. Milei tem também sido um forte crítico da aplicação de impostos aos mais ricos e com o respaldo de Trump a sua oposição será ainda mais marcada.
A imprensa internacional dá conta de um bloqueio na negociação do texto do comunicado final da cimeira do G20 por causa da acérrima oposição da delegação argentina ao imposto dos super-ricos. Um responsável político brasileiro dizia ao Financial Times, nas vésperas do início do encontro, que o Governo de Milei queria “fazer do G20 no Brasil um teste entre as novas e as velhas forças”.
Para suavizar a provável decepção durante a cimeira, Lula decidiu apresentar às margens do G20 a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, uma estrutura multilateral que tem como missão aplicar medidas de combate à desigualdade em contextos diferentes. A iniciativa poderá, por exemplo, aplicar modelos de políticas públicas bem-sucedidas, como o Bolsa Família no Brasil, noutros países com desafios semelhantes.
Mas a ameaça de impasse estende-se a praticamente todos os tópicos em cima da mesa do G20. Os conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente não dão sinais de se aproximarem de uma conclusão, para além de dividirem os países reunidos no Rio de Janeiro – o Presidente russo, Vladimir Putin, decidiu enviar o chefe da diplomacia, Serguei Lavrov, em sua representação, para não se arriscar a uma detenção ao abrigo do Estatuto de Roma, ratificado pelo Brasil.
Questões como o combate às alterações climáticas também não devem ser alvo de desenvolvimentos muito palpáveis, sobretudo tendo em conta as expectativas baixas que rodeiam a cimeira do clima em Bacu, que decorre em simultâneo ao G20, mas que não tem a presença dos principais líderes mundiais.
Um diplomata europeu, citado pelo FT, resumia o estado de espírito das delegações que chegam ao Brasil na ressaca da vitória de Trump: “Supostamente devemo-nos sentar aqui e falar do futuro da cooperação global e fingir que este tipo que não quer saber de nada disto não está a caminho.”