Quando o G20 acabar, o que ficará para nós?

Grandes eventos mudam as rotinas das nossas cidades, com muitos lugares interditados e promessas. Quando terminam, o que muda para o cidadão comum?

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Sempre estou na estrada. Estou no Rio de Janeiro para participar do show de encerramento da parte musical do G20, com muita gente falando, muitos países, muitas pautas, muitas discussões, muitas metas, muitas promessas, muita segurança, muitos lugares interditados, filas gigantescas, hotéis lotados, restaurantes não aceitando reserva.

Em Belém, minha terra natal, está havendo uma grande excitação sobre a realização da primeira COP do Brasil, a COP da Amazônia, que acontecerá no próximo ano. Será em Belém, uma cidade maravilhosa, de gente muito simpática, com uma cultura poderosa e muita culinária. Belém está na moda.

Os tapumes fecharão a cidade, impedirão a circulação. E volto a perguntar, e nós? Nós, o cidadão comum, o artista comum, o músico comum, as pessoas que têm que acordar, trabalhar, pegar um trânsito complicado, ônibus com pneu furado, atraso no trabalho, desconto no salário, esgotos a céu aberto, violência em todos os lugares.

Quando acabar o G20, quando passar a COP, teremos sido levados em conta pelos líderes do G20 e nas decisões da COP30? Isso me fez parar e sentar em um banco de praça na minha Belém e olhar o movimento dos que sempre viveram naquela praça, as putas, os travestis, os bêbados, os drogados, os que foram expulsos de casa, os poetas que vivem nos coretos, muitas vezes, mais livres do que nós, que queremos uma casa para ter um lugar para fixar, um endereço para dar, um telefone onde atender e falar com o mundo.

Nessa minha reflexão pós-Círio de Nazaré e a caminho do G20, me vieram cenas da minha vida toda. Nasci na Amazônia, sou amazônica. A Amazônia é um território distante do rico Sudeste brasileiro, e sempre chegam para nós soluções mágicas. Da mesma forma que, na reunião do G20, o mundo quer soluções mágicas para o Brasil, sem levar em conta o que essa gente mais simples precisa. Saúde, educação, segurança.

O dinheiro que vai ser gasto no próximo réveillon do Rio de Janeiro não poderia ser aplicado para isso? Para melhorar a rede de esgoto das periferias, para melhorar a educação e o ensino fora do glamour da Zona Sul, dos protegidos, dos que vivem em torno da possibilidade do sucesso, respirando um ar que nós não podemos mais respirar, um ar podre de corrupção, de desvios, de maquiagem e de circo?

Será que é isso que queremos para esse país fabuloso chamado Brasil? Isso que nos é dado durante o carnaval ou numa partida de futebol? Ou quando grandes acontecimentos tomam as cidades e não podemos circular, pois não fazemos parte, porque não estamos no foco das organizações?

Tudo é maquiado, tudo é limpo, os mendigos são tirados, e a cidade ideal, que é linda, que é o Rio de Janeiro, vira um conto de fadas. Eu vivi nessa cidade na infância e na adolescência e vi a decadência cada vez maior do olhar sobre o cidadão carioca, o cidadão simples que vai à praia ou em bandas nos carnavais, atrás da folia.

Que mais valia, que melhor olhar se devolve sobre essa população, além de fazer um carnaval maravilhoso? Quando subo no palco, vou com muitas críticas e um olhar muito agudo e, talvez, na possibilidade de um novo cancelamento, já que cancelamento nunca faltou na minha vida.

Porque não faço parte de grupos, não puxo saco de poderoso, não faço o glamour do marketing maravilhoso, não vou se não sou convidada e também não vou se não me sinto confortável e livre para lá estar. Tenho 50 anos de carreira, 68 de idade e vejo os grupos mudarem, os grupos que são os donos da arte.

Com amor, Fafazinha, a de Belém

PS: Nossos prêmios ainda são os mesmos?

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