Postal de Lousada: o Núcleo de Imprensa

Levar os jovens a visitar espaços como estes é uma forma importante de transmitir a importância de uma comunicação social livre.

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"Há aqui máquinas com cerca de 200 anos e estão todas a funcionar", revela Rute Cunha João da Silva
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No World Press Photo, em exposição no Fórum da Maia até dia 1 de dezembro, encontramos imagens que revelam realidades tão absurdas que às vezes é difícil acreditar que sejam verdade. Não são uma novidade, de todo. Vemo-las todos os dias nos meios de comunicação social e nas redes sociais, mas frequentemente surgem a uma velocidade e variedade que esgotam a nossa capacidade de reflexão. Com as imagens paradas à nossa frente, é diferente. Podemos parar, avaliar, refletir.

Estive algum tempo a observar o memorial dedicado aos jornalistas falecidos. Uma parede repleta de nomes confronta-nos com a dura realidade daqueles que perderam a vida na busca pela verdade e pela liberdade de expressão. Procurei ler quantos nomes consegui e senti a impotência de não reconhecer nenhum deles. Desde 1992, 1553 jornalistas e profissionais dos meios de comunicação foram assassinados, e, mesmo em 2024, essa triste realidade persiste. Este memorial não é somente um tributo àqueles que perderam a vida, mas também um apelo à reflexão sobre o papel vital do jornalismo na nossa sociedade.

Foi ainda com as imagens do World Press Photo e, em particular, do memorial, bem presentes, que visitei o Núcleo de Imprensa de Lousada. Este é “um espaço museológico instalado na Biblioteca Municipal com o objetivo de expor, recuperar e valorizar o património da indústria tipográfica e da imprensa local e regional, sendo especialmente vocacionado para receber visitas escolares”, explica Maria Adelaide Pacheco, coordenadora da Biblioteca Municipal.

“O Núcleo de Imprensa de Lousada foi inaugurado a 23 de outubro de 2020 e temos aqui algumas máquinas que representam um bocadinho da história da imprensa e também da tipografia, nomeadamente material mobiliário que estava presente nas tipografias um pouco por todo o país. Visitam-nos desde os mais pequeninos do jardim de infância até aos maiores, do 12.º ano, e também adultos, quer em grupo, quer individualmente. Há aqui máquinas com cerca de 200 anos e estão todas a funcionar”, detalha Rute Cunha, técnica superior de animação cultural e educação comunitária.

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Núcleo de Imprensa de Lousada João da Silva

A peça-chave deste museu é o prelo antigo em ferro Hopkinson & Cope, fabricado em 1854, que foi cedido por Manuel Afonso Silva, fundador do Jornal de Lousada, atualmente Terras do Vale do Sousa. Este prelo foi adquirido ao Comércio do Porto e é uma réplica quase perfeita da máquina inventada por Gutenberg. “Foi precisamente por termos esta máquina que se criou este espaço”, acrescenta Rute Cunha.

A coleção está organizada em quatro setores: Fundição — punções, matrizes, moldes e uma máquina para fundir tipos; Composição manual e mecânica — cavaletes, tipos em chumbo e madeira, além de sistemas mecânicos como a Linotype e a Typograph; Impressão — prelo Hopkinson & Cope e máquinas de impressão do tipo Minerva; e Encadernação — guilhotina manual, prensas de encadernação e utensílios de gravação e douramento.

Há ainda um acervo documental e bibliográfico para o estudo da imprensa e das artes gráficas e uma plataforma digital que permite a consulta virtual dos principais periódicos locais, nomeadamente o Jornal de Louzada (escrevia-se com «z»), fundado em 1907, que se manteve ativo até 1994. Este jornal destacava-se pela sua oficina tipográfica própria e alinhamento com o poder vigente, ou seja, tinha um posicionamento “moderado”. Em contraste, o Heraldo, publicado entre 1930 e 1939, tinha uma linha editorial mais combativa e independente que desafiava a censura da época em prol da liberdade de imprensa, o que fez com que alguns dos seus colaboradores fossem perseguidos e condenados.

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Pormenor da exposição João da Silva

A visita a este espaço museológico é um convite à reflexão sobre o valor da liberdade de expressão e a resistência em tempos de repressão. Uma reflexão que, como prova o memorial do World Press Photo, não só é atual como também urgente.

Levar os jovens a visitar espaços como estes é uma forma importante de transmitir a importância de uma comunicação social livre, fomentar um diálogo crítico sobre o papel do jornalismo na sociedade contemporânea e estimular um compromisso com a verdade e a liberdade de expressão.

Talvez assim possamos ter esperança de que menos nomes venham a ser acrescentados ao memorial de jornalistas mortos no exercício da sua profissão.

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