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O que é um erro de português?
Há, de fato, muita ignorância no (des)conhecimento que falantes desta nossa língua têm em relação à sua complexidade, história, uso e necessidade de preservação. Mas o pior erro ainda é o preconceito.
Os artigos da equipa do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa usada no Brasil.
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O descaso com a língua materna é um tema frequente nas conversas que as pessoas têm comigo. Ao saberem que, essencialmente, sou um professor de português, parece simpático elogiar o árduo e inútil trabalho daqueles que lutam contra os tão frequentes erros de gramática. Meu sorriso amarelado, nessas ocasiões, esconde algumas frustrações. Há, de fato, muita ignorância no (des)conhecimento que os falantes desta nossa língua têm em relação à sua complexidade, história, uso e necessidade de preservação. Mas há de se ter em conta que o pior erro ainda é o preconceito.
Tenho defendido que o português falado no Brasil apresenta traços mais conservadores do que o português de Portugal. Claro, essa ideia, como qualquer outra a respeito, exigiria uma extensa pesquisa que está ainda por se fazer e deve levar em conta outros pontos de vista, que os há.
Porém, minha posição se baseia no fato de que a criatividade linguística no Brasil é mais frequente nos níveis de superfície, como o da pronúncia ou da formação de palavras, enquanto, em níveis mais profundos da língua, como o da ordem das palavras na frase, as mudanças têm sido mais recorrentes em Portugal.
Assim, falar ‘tchia’, para os sons escritos como “tia”, por exemplo, não é tão significativo para a língua portuguesa do que quando se começou a dizer “Estou a falar”, ao invés de “Estou falando”.
De pequeno, ouvia-se o António Mourão aqui em casa. Acho que já nasci meio professor de português, porque me lembro de os versos me impressionarem: “Deixem passar/ Esta linda brincadeira / Que a gente vamos bailar /P'ra gentinha da madeira”. A canção terá a sua história que bem merece ser conhecida, mas, para mim, era uma das faixas que ouvíamos aos domingos de manhã, enquanto a família esperava o almoço ser preparado e entre uma ou outra tentativa do meu avô de emplacar os seus solos de violão que dizia saber tocar de ouvido.
Para mim, “a gente vamos” era algo que justificava a existência da composição e só faria sentido nesse lugar tão distante e mágico em que havia “gente de madeira”. Somente mais tarde vim a saber onde ficava essa linda ilha que ainda não conheço. Foi também mais tarde que encontrei nas ruas, mas agora perto de casa, no Brasil, o “a gente vamos” e, por vezes, até o “nós vai” e, antes disso, o “tu vai”.
A gramática nos diz que o certo é dizer “nós vamos”, “tu vais” e “você vai”. Há muita razão em afirmar que assim o deve ser. Mas, como em tudo, devemos tomar alguns cuidados. Por que dizer “estou a gostar” não é um erro e dizer “a gente vamos” é? É algo que pertence à própria língua ou tem mais a ver com quem o fala? O meu gerúndio incomoda menos se estou comprando um apartamento do que se estou buscando um emprego?
Tenho assistido, tanto em Portugal quanto no Brasil, a muito preconceito, não tanto ao que se diz, em si, mas, sobretudo, ao fato de aquilo ter sido dito por uma pessoa que, por algum motivo, não agrada. Usualmente, questões econômicas, sociais e, sim, muita ignorância, estão interligadas, e justificam o incômodo.
Moro em São Paulo, onde os dialetos do Nordeste do Brasil ainda sofrem discriminações por parte de muitos e são motivos de piada. Também vejo em Lisboa brasileiros serem objeto de riso por falarem o que rapidamente é rotulado como “brasileiro”. Desqualificar o outro pelo seu modo de falar é, com certeza, o maior erro que a língua portuguesa pode cometer.
Contudo, o ouvido atento e a mente aberta tampouco podem ser uma carta-branca para nos conformarmos com toda e qualquer forma de expressão. A língua é viva, sim, e uma língua como a nossa, tão rica e, ao mesmo tempo, tão carente de conhecimento, muda muito, e desconhecer essas mudanças traz consequência.
Uma língua existe para que nos comuniquemos e construamos pontes e identidades, para que possamos existir como cidadãos plenos, que fazem parte de um fluxo de humanidade que nos antecede e continuará (se o permitirem!) depois de nós.
Dessa perspectiva, as regras de gramática também são importantes para assegurar a unidade desse patrimônio que nos ultrapassa cronológica e geograficamente. Não podemos reduzir a língua a um vale-tudo em que o importante é, sempre, que a pessoa expresse as suas vontades. As pessoas têm direito à arte, à cultura, à educação e, acredito, também ao conhecimento gramatical de sua língua, que lhes permita uma comunicação mais efetiva em sociedade, tanto no que falam e como o falam, mas também no que ouvem e como o interpretam.
Falar português é também uma responsabilidade para com o outro. O busílis da questão é encontrar o ponto de equilíbrio: onde o conhecimento facilita que o cidadão se movimente entre outros cidadãos, construindo uma sociedade plural e equitativa, e onde esse conhecimento produz o hermetismo do preconceito?