Se uns Mary Jane incomodam muita gente…

Como outros fenómenos, também as tendências são um processo que começa por estar num domínio bastante fechado para se expandir, tornando-se popular, influenciado por aquilo que usam as celebridades.

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"Quando tropeçarem nuns Mary Jane na fast fashion, hesitem" jason hu/pexels
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… Imaginem muitos Mary Jane em todas as marcas de fast fashion no centro comercial!

As tendências são isso mesmo, fenómenos dinâmicos de mudança. No caso da moda, a palavra está associada ao que está a dar, as mais recentes novidades que todos estão a usar. É tendência, diz-se, para peças de roupa, sapatos e acessórios que, embora pareça rápido, mudam com relativa lentidão. A definição das cores ou padrões que serão tendência na próxima estação resulta de uma complexa mistura de factores e protagonistas, num processo multidireccional de influências que começa na rua (incluindo o que se vê através dessa janela a que chamamos digital), passa pelos criadores e designers, regressando à rua, sob múltiplas formas e dimensões.

A tendência é sobretudo mudança, novidade e renovação, facilitada pela produção em massa, o consumo e a sua disseminação através dos media sociais digitais. Tendência não é, contudo, sinónimo de estilo. Há uma certa associação do conceito de tendência à ideia de espírito do tempo e da sua expressão através da moda, pela vertente social e estética, traduzida em peças de roupa e acessórios mas isso não significa estilo, menos ainda, estilo pessoal.

Como outros fenómenos sociais, também as tendências são um processo que começa por estar num domínio bastante fechado para se expandir, tornando-se popular, influenciado por aquilo que usam as celebridades e influenciadores digitais.

Estes vieram acelerar o processo, tornando a tendência obsoleta mais depressa, porque assim que esta chega a todos, ou seja, quando passa a ser de tal forma popular que se torna redundante, repetitiva e sem nada de novo, deixa de ser tendência. É mainstream e o mainstream marca o fim de uma tendência, passa de objecto de desejo a objecto de consumo acessível a todos. Ao nível do estilo, deixa de ser tendência, passa a ser decadência.

A questão não se relaciona com o preço porque, a partir do momento em que as marcas de moda mais populares, ou seja, fast fashion, adoptam a trend, o preço do produto baixa, tornando-o acessível à generalidade da população. Mas já não é trend, é o que todos usam. Estilo, é outra coisa. O estilo é pessoal e ultrapassa qualquer tendência. É o que nos define e o que nos apresenta ao mundo. Queremos mesmo ser apenas, mais uma pessoa, ou queremos ser uma pessoa?

Foi o que aconteceu aos Mary Jane, esse sapato icónico usado pelas crianças em idade escolar que Mary Quant (a designer a definir a tendência) adoptou, Twiggy popularizou e Jane Birkin também usou. Lembram-se da história da minissaia? Mary Quant, novamente, a definir uma tendência que perdura até hoje. Os Mary Jane já tiveram momentos altos, aparições e reaparições em filmes e séries de televisão. Até Carrie Bradshaw, em O Sexo e a Cidade, além de todos os Manolo, usou uns Mary Jane, o mito urbano que Carrie descobriu nas prateleiras do roupeiro de acessórios da Vogue. São camaleónicos e, ao longo da história, e da história da moda, já foram do preppy ao punk e ao gótico, icónicos em séries como Gossip Girl e, mais recentemente, definidor de celebridades, influenciadas pela Dior e o estilo Prada que, com os Mary Jane, contaminou o luxo e chegou à fast fashion.

Os Mary Jane são como a cor cerulean da sweater de Andy, a assistente de Miranda Priestly, que calma e assertivamente lhe explica que a cor daquela camisola, que tirou de um qualquer expositor de uma loja multimarca, ou pior, hipermercado, começou por ser uma opção única de um designer de moda, promovida, depois, por especialistas em moda que a tornaram popular, até chegar à fast fashion e daí, acabar num qualquer monte de roupa sem história.

Isto equivale a dizer que, quando tropeçarem nuns Mary Jane na fast fashion, hesitem. É mesmo o vosso estilo ou apenas a tendência? Se encontrarem uns Mary Jane na área de pronto-a-vestir de um hipermercado, fujam. Ignorem. Escolham qualquer outra coisa, menos um modelo de sapato que tem uma história única e que, as trends, sobretudo nos media sociais, conseguiram matar, retirando-lhes a nostalgia, versatilidade e detalhe de estilo que os caracterizava, tornando-os algo comum, um pequeno ódio de estimação pelo excesso de variações e invenções em torno de uma lenda.

As tendências, quando chegam ao mainstream deixam de o ser, passam a ser apenas um objecto de consumo. Por isso, nisto de moda e sustentabilidade na moda, mais estilo e menos compras, ou as mesmas compras, mas com mais estilo. Com, ou sem os Mary Jane.

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