As sementes transportam esperança
Convicto de que a Natureza nunca desistirá de nós, o brasileiro Evandro Renan ilustra o mundo como um constante recomeço. Com sementes e aguarelas.
Um livro feito ao contrário do que é mais comum. Primeiro nasceram as ilustrações e só depois o texto. No início, fica-se com a sensação de que narrativa visual e textual não combinam, já que evocam universos distintos.
A paisagens inóspitas, desertas e silenciosas correspondem palavras que falam em casas, prédios e pontes amontoadas e entrelaçadas “numa teia de aço, cimento e betão” — a ranger de forma estridente.
À medida que o livro avança, as duas linguagens suavizam o antagonismo, vão-se aproximando e chegam a uma ideia (mensagem?) comum: a de que a Natureza sempre se renova.
O ilustrador, Evandro Renan, natural de Belo Horizonte, não gosta da ideia negativa do Antropocénico nem de “narrativas que anunciem o apocalipse”, disse ao PÚBLICO na inauguração da exposição das ilustrações do livro, no encontro Braga em Risco, que pode ser vista até dia 17 na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva. “Prefiro concentrar a minha energia na esperança”, afirmou, acrescentando: “Até porque eu vou ser pai.” E apontou para a sua mulher, que aguardava sorridente o fim da entrevista, com o corpo a anunciar que em breve será mãe.
Então, o artista, que também faz gravura em metal, criou esta personagem, “uma gaia” que representa a Terra e transporta sementes. “Aquela bolsa que ela carrega pode ser uma metáfora do repositório de sementes que existe na Noruega [Banco Mundial de Sementes]”, explicou, fazendo notar que, nas aguarelas, quando a gaia caminha, vai deixando “um rasto de vida”. São pequenas manchas verdes que se podem ver a seus pés. “As sementes carregam esperança e é isso que ela lança, pouco a pouco”, disse ainda.
As paisagens não representam nenhuma região em particular e nelas se misturam animais de vários continentes, pois quis representar a fauna do mundo inteiro. “Um coelho, que é muito usado na iconografia dos livros infantis, um beija-flor, uma capivara, que é do Brasil (o maior roedor do mundo, na minha cidade tem muitos), um tigre, que é asiático, um gorila, um rato, que também entra muito nas fábulas…”
A destruição pelo fogo está presente no livro, cuja finalização coincidiu com os incêndios em Portugal. “É triste, mas ao mesmo tempo é propício”, pensei, mas garante que não teve “qualquer intenção ou oportunismo” perante “as queimadas” do Verão.
Não gosta de dramatismos e acredita nas “micromudanças de cada um de nós para que o mundo melhore”. Como professor, tenta transmitir isso às crianças, convidando-as a cuidar da Natureza. E aconselha a leitura de Sobre o Céu, de Richard Powers (Editorial Presença): “É sobre um castanheiro que foi muito importante na vida de uma família, o pai fotografava-o uma vez por mês e a árvore assistiu à sucessão de acontecimentos: casamentos, adultérios, doenças, toda a história da família.” Está na iminência de ser derrubado.
“Tenho uma pitangueira lá no Brasil. Se alguém cortar, vai ter briga”, ameaçou.
Semear é lançado neste sábado, às 15h30, no Claustro do Espaço Vita, em Braga, numa ligação entre o encontro de ilustração e o festival literário Utopia. A seguir, como é prática comum do Braga em Risco, Evandro Renan orientará uma oficina de ilustração para crianças dos seis aos 12 anos.
A gaia acabará por se transformar numa semente e florescer. Escreve o autor do texto e organizador do Braga em Risco, Pedro Seromenho: “Neste jardim, não há sons inquietantes ou cheiro a medo. É um recanto onde se pode cheirar uma flor, provar um fruto, abrigar do mal, despedir de quem se ama ou aprender a viver.” Uma e outra vez, sempre com esperança.