E se o resultado das eleições americanas impactar hirtamente o preço das casas em Lisboa, o turismo no Algarve e as nossas exportações de vinho? Parece um cenário hipotético e longínquo, mas a eleição de Donald Trump pode ter efeitos directos na nossa economia – e não apenas como consequência da nossa adesão à União Europeia (UE) nem apenas em termos diplomáticos.
Um dos temas mais falados durante toda a campanha foram as tarifas (uma das palavras mais bonitas para Trump) e uma eventual guerra comercial com a China. No primeiro mandato, Trump adoptou tarifas à importação que afectaram, inclusive, a UE, como parte de uma estratégia para reforçar a economia americana e desincentivar importações. Com a intensificação da guerra comercial entre os EUA e a China, aumentam as barreiras para produtos chineses entrarem nos EUA, o que, por sua vez, obriga a China a procurar outros mercados por onde escoar os produtos.
Além disso, a aposta dos EUA em fortalecer a sua própria produção para substituir importações pode reduzir a procura por produtos estrangeiros, o que impacta directamente as nossas exportações. Se essa política se mantiver, as exportações portuguesas de vinhos, azeite e cortiça – exemplos de produtos com uma forte presença no mercado americano – podem ser altamente penalizadas. Isto não só diminui as receitas das nossas empresas, como também pode afectar o emprego em regiões do país que dependem directamente dessas indústrias, como o Alentejo ou o Douro. A longo prazo, a competitividade das empresas portuguesas poder ser prejudicada, à medida que as tarifas e a incerteza comercial aumentam os custos de exportação e reduzem as margens de lucro.
Num outro tom, sabemos que Portugal se tem tornado cada vez mais um destino preferido para trabalhadores remotos, especialmente americanos, devido ao custo de vida relativamente baixo e à qualidade de vida que oferecemos. Esse fluxo de imigração traz benefícios económicos, claro, mas também pode aumentar a pressão sobre o mercado de habitação. A procura por casas, sobretudo em cidades como Lisboa, Porto ou na região do Algarve, aumenta, o que pode agravar a escassez de imóveis e fazer com que os preços subam ainda mais, num mercado que já está tão fragilizado e que tantas dores de cabeça nos tem dado — coincidentemente, com relevância nestas mesmas cidades.
Simetricamente, também sabemos que somos um destino turístico de eleição para americanos. Com a incerteza interna a aumentar nos EUA, poderemos eventualmente perder parte desta fatia (significativa) de turismo, com consequências para o nosso sector terciário, numa economia que tanto depende do turismo e dos serviços. Bem sei que todo este cenário é um caso extremo e simplificado da realidade, mas qualquer impacto marginal é um impacto potencial na nossa economia.
Em 2017, Trump retirou os EUA do Acordo de Paris, o que gerou grande preocupação entre os defensores da sustentabilidade ambiental em todo o mundo. Embora a decisão tenha sido revertida por Biden em 2021, a reeleição de Trump pode trazer de volta a sua postura negacionista face às alterações climáticas, com impactos negativos para os compromissos globais. Para Portugal, que está na vanguarda dos esforços de sustentabilidade na UE, isto pode significar uma redução no apoio global a iniciativas verdes e menos por onde apresentarmos as nossas inovações. O investimento em energias renováveis, por exemplo, pode ser afectado, uma vez que o apoio internacional a esses projectos depende de uma cooperação global robusta. Caso Trump decida afastar os EUA de qualquer compromisso ambiental, novamente, desaceleramos (outra vez) o progresso global em direcção a uma economia mais verde.
Com estes cenários, a reeleição de Trump não se apresenta apenas como uma alteração da política interna dos EUA, mas como um factor com implicações globais. O impacto nas exportações, no mercado imobiliário, no turismo e nas políticas ambientais pode ser sentido de forma intensa em Portugal, especialmente dado o papel crucial que o país desempenha dentro da UE. As escolhas feitas pelos EUA em termos de comércio, política climática e relações internacionais moldam o futuro económico de muitas nações, incluindo a nossa. Portanto, a economia portuguesa, tal como a economia da Zona Euro, não é imune às repercussões da reeleição de Trump, e deve estar preparada para enfrentar os desafios que poderão surgir.