“Stora, porque é que quis ser professora?”
Eu normalmente respondo: “Porque gosto disto, gosto de vocês”. Mas essa resposta sabe sempre a pouco, porque existe todo um universo de razões para que eu tenha acabado a dar aulas. Claro que esta é, senão a mais importante, uma das mais fortes razões, mas no outro dia tentei outra resposta, quando novamente questionada: “Porque queria combater as desigualdades sociais”.
Esta já me encheu mais a barriga e creio que deixou uma porta aberta para a especulação. “Como é que ser professora combate as desigualdades?”, muito bem, excelente aluna, pensei. “A escola é um elevador social”, respondi à Marta, enquanto íamos a caminho da visita de estudo, “foi através da escola que consegui um emprego melhor e quero que continue a ser assim convosco”.
A escola é um elevador social. Esta afirmação é tão certa quanto traiçoeira — um elevador avariado, enferrujado, antigo e sem manutenção à vista.
Não é que, quando finalmente cheguei à docência, com o fato de super-herói, pronta para livrar o mundo das desigualdades, me deparei com o flagelo que é ligar um Windows 98, numa sala de aula, em 2024?
Pior, vi as desigualdades da rua a serem vincadas na escola. Os alunos acreditam, realmente, no quadro de mérito e excelência. E muitos professores também. Rapidamente guardei o fato, sentindo-me envergonhada da indumentária que com tanta seriedade e empenho vesti, como se fosse Halloween e eu fosse a única com um disfarce. Os meus poderes omnipotentes para a resolução da desigualdade social eram completamente fictícios. Fizeram com que acreditasse neles, com boas intenções, não duvido, mas na verdade ser professora não é ser uma super-heroína: acabei numa sala de aula, em frente a dez turmas a cada ano, a ser uma superburocrata.
Aos alunos que têm dificuldades em casa, a escola dá uma resposta: aqui terás dificuldades também. Surpresa: a maioria daqueles que vejo “chumbar de ano”, como se diz na gíria, são aqueles cujos pais ainda nem chegaram à classe média (seja lá o que isso for, no Portugal de hoje), a esses o elevador leva-os à cave, para o ano esforça-te mais. Que condições dá a escola para o ano? Exactamente as mesmas que deu no ano anterior, com a diferença de que agora eles se sentem ainda menos inteligentes.
Entretanto, vou subindo as escadas do prédio, já cansada, porque o elevador social deixou-me subir um andar, mas ainda fiquei a dois ou três daquilo que também importa, como a hipótese de ter uma habitação própria. Outra bitola dos meus miúdos: “O quê? A stora vive num quarto?” — “Sim, com o meu cão”. Mas esta conversa é pano para outras mangas.