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Quando a tecnologia e o preconceito rompem o ritmo do futebol
Com o VAR, o futebol está perdendo a magia do imprevisível. O preconceito, por sua vez, impediu que Vinícius Júnior fosse eleito o melhor jogador do mundo.
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Depois de um fim de semana esportivo, muitos de nós, torcedores apaixonados por futebol, acordamos não apenas comentando as jogadas ou comemorando as vitórias, mas debatendo as decisões do VAR. Esse “personagem” moderno, que se instalou no coração dos estádios, parece roubar a cena e deixar para trás as jogadas que antes definiam o jogo. Hoje, ao invés de soltarmos o grito de gol sem hesitação, congelamos. Esperamos, quase sem respirar, que a máquina entregue seu veredicto, enquanto o pulsar das arquibancadas se dissolve na espera.
O VAR trouxe para o futebol uma busca por precisão que transforma o erro em um vilão a ser combatido, mas, ironicamente, ele próprio erra — e erra de uma maneira fria, sem a emoção e a falibilidade que fazem do futebol uma arte. Onde antes o erro do juiz gerava debates inflamados, agora, temos uma decisão gelada e impessoal. Se o futebol é poesia em movimento, o VAR é a pausa brusca, uma vírgula fora de lugar que quebra o ritmo e interrompe o instante. A magia do gol, que um dia era celebrada na emoção do momento, foi trocada pela revisão cautelosa de uma imagem congelada.
Para mim, o futebol deveria manter algo de imprevisibilidade. Lembro-me dos tempos em que, nas mesas de sinuca, o inesperado acontecia, quando uma tacada desgovernada levava a bola à caçapa por pura sorte. Assim também deveria ser o futebol, com espaço para as surpresas, para os acasos, para a falha humana que tantas vezes contribuiu para o drama das partidas. Agora, o VAR promete corrigir os erros, mas, na prática, adiciona uma camada de cálculo e dúvida ao que antes era emoção crua.
O VAR é como um “cirurgião frio” que corta o jogo para buscar uma precisão matemática, mas esquece que o futebol é mais coração do que cálculo. A obsessão por soluções tecnológicas, na tentativa de tornar o futebol mais justo, acaba por desumanizar o que sempre foi uma arte gloriosamente imperfeita. Onde antes convivíamos com o erro e a dúvida, celebrávamos o gol de mão de Maradona como parte da narrativa do esporte — um momento que se tornaria lendário —, agora, temos uma espera meticulosa, milimétrica, para determinar se o gol é válido ou não.
E talvez seja esse o ponto mais triste: o VAR prende a natureza imprevisível do futebol em uma prisão de exatidão. As partidas são interrompidas, o ritmo perde sua fluidez e, a cada decisão, o torcedor vai perdendo um pouco mais da paixão pelo inesperado. O jogo se empobrece, e o que antes era uma expressão do drama humano torna-se uma busca por uma perfeição inatingível.
Ainda falando de futebol, mas mudando ligeiramente o foco, há outra decisão recente que nos faz questionar a justiça no esporte, assim como o VAR nos faz questionar o jogo. Vinícius Júnior, nosso Vini, com seu talento inquestionável e coragem em enfrentar o racismo, viu-se fora do prêmio de melhor jogador do mundo na Bola de Ouro. É uma ironia amarga: enquanto discutimos o impacto do VAR em busca de uma precisão quase desumana, nos deparamos com um tipo de julgamento ainda mais frio e cruel no reconhecimento dos nossos talentos.
Vini Júnior, com sua habilidade e sua voz potente contra o preconceito, representa uma verdade que muitos preferem não ver. Ao perder o título para um jogador branco europeu, ficamos com a impressão de que o critério não foi apenas o futebol. Assim como o VAR congela o jogo em busca de algo que nem sempre traz justiça, a ausência de Vini no topo do prêmio revela uma outra face de injustiça. São diferentes formas de desumanizar o que deveria ser arte, emoção e igualdade dentro de campo.
Escrever sobre o VAR e a necessidade de um olhar mais humano para o futebol me faz pensar no que acontecerá diante dos resultados das eleições norte-americanas, que trazem consigo um sentimento de tragédia, decepção e medo para a humanidade. A história parece repetir erros e intensificar conflitos, enquanto aguardamos um desfecho que pode reverberar em todas as partes do mundo.
Há uma sensação difícil de digerir, um mal-estar coletivo que precisa ser compreendido antes de ser expresso em palavras. Em breve, falaremos sobre isso, sobre essa situação tão terrível que agora assola os Estados Unidos e, por consequência, também nos atinge. Por ora, fica apenas o eco desse receio que nos ronda, enquanto ainda tentamos entender o que vem pela frente.