Eleições nos Estados Unidos: um passo mais perto do abismo

Talvez seja a hora de nos preocuparmos com a “martificação” da Terra: a criação, no nosso planeta, de condições semelhantes às marcianas

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As eleições nos Estados Unidos mudaram a perspectiva para os seres humanos no planeta. A vitória do republicano Donald Trump tem um significado que atinge a todos nós. Não me refiro apenas à questão política. A percepção é de que não aprendemos com o que se viu um século atrás, quando se espalharam pelo mundo forças autoritárias e o resultado foi a morte de mais de 60 milhões de pessoas numa guerra em que os diferentes não eram aceitos.

Vivemos, durante muitos anos, com a ilusão de que tudo aquilo era passado, que não haveria a possibilidade do autoritarismo fascista retornar em escala mundial e que regimes de exceção seriam passageiros. Mas, nos últimos 15 anos, o ressurgimento de poderes ditatoriais tem crescido sob uma nova forma, na maior parte das vezes a partir de vitórias eleitorais.

Trata-se de um movimento político baseado em tecnologia. Cria-se uma situação em que os cidadãos estão desconectados da realidade, vivendo numa bolha em que a informação é filtrada por redes sociais e aplicativos de mensagens, com o viés e as falsidades que interessam a quem controla a sua emissão.

Uma das principais questões das eleições nos Estados Unidos foi a imigração, o que soa irônico em um país constituído por imigrantes, em que muitos dos nativos foram exterminados para que as terras fossem “colonizadas” por pessoas vindas de fora. Na disputa norte-americana, Trump demonizou os estrangeiros, caracterizando-os como criminosos. Mesmo os latinos se posicionaram contra a chegada de pessoas da América Latina. A imagem que fica é de um bote salva-vidas em que aqueles que estão dentro empurram para o mar quem tenta subir, mas não por falta de espaço, e, sim, por medo.

Isso não é pior. O que mais vai afetar a vida no planeta é a reversão prometida de políticas ambientais, com a intensificação da busca de petróleo (o drill, baby, drill, da campanha vitoriosa, requentando um slogan político de 2008). O cardápio vencedor inclui a exploração comercial das reservas naturais, a saída do Acordo de Paris, o fim das regulações ambientais e de medidas de eficiência energética, além do corte dos apoios às energias renováveis.

Se fosse num país de pequenas dimensões, essas propostas teriam impacto reduzido. Mas, na maior economia do mundo, terão um efeito não apenas interno, como também multiplicador. Outros países vão seguir a receita para não perderem o bonde da "competitividade".

Estamos na iminência de uma catástrofe ambiental. Segundo o Serviço de Mudança Climática Copernicus, da União Europeia, o limite de aquecimento global de 1,5 grau Celsius até 2050 foi ultrapassado — em janeiro deste ano, chegou a 1,52 grau em termos anuais. Comparado com janeiro de 2023, no primeiro mês de 2024 o aquecimento foi de 1,66 grau. As consequências estão aí: basta ver a cidade de Valência, na Espanha, destruída na semana passada por chuvas torrenciais, os incêndios florestais na Califórnia e no Canadá ou as secas por anos seguidos no Brasil.

Num momento em que os esforços de muitos cientistas se voltam para a exploração de Marte, a fim de criar condições semelhantes às da Terra para abrigar vida humana, talvez seja a hora de nos preocuparmos com a “martificação” do nosso planeta. Ou seja, a destruição do que torna a vida possível, fazendo com que fique inabitável.

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