Multiculturalidade? Vai-se vivendo...

Esta questão da integração e inclusão não é só de quem acolhe, mas também de quem é acolhido. A barreira do desconhecimento tem de ser ultrapassada por quem recebe, mas também por quem chega.

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"O primeiro passo é a vontade de incluir e de ser incluído" Jack Ma
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Há umas semanas, chegou a uma das minhas turmas um aluno novo, vindo da América do Sul. Não sabe falar português, fala espanhol e entende algumas coisas em inglês, pouco. Falámos no meu “portunhol” misturado com inglês, e por gestos. No fluir das aulas, não consegue apanhar quase nada, e o que por vezes parece ter compreendido, não é o que na realidade foi dito.

O resto da turma, na sua maioria filhos de imigrantes brasileiros e segunda geração de famílias oriundas dos PALOP, gostam de brincar para chamar a atenção, trazem pouco ou nenhum material necessário às aulas e sem exigência em casa face à escola. Alguns são repetentes. Dois ou três num degrau social acima, são reis!

Não existe nesta turma qualquer indício de vontade de incluir o aluno novo. Nos intervalos, vai ter com a sua irmã mais nova e passam os intervalos juntos a conversar. Este novo aluno, não tem material, e eu lá lhe vou dando e emprestando algum material que temos no armário e na arrecadação.

Nas minhas aulas de Educação Visual, enquanto se fazem os trabalhos, também se conversa um pouco e aí apercebo-me de muitas coisas das vidas dos meus alunos. O novo aluno não fala. Não sabe falar português e não há quem queira fazer o esforço para o compreender. Já lhe sugeri juntar-se com um colega, pediu-me para ficar sozinho, que trabalhava melhor a solo.

No intervalo, pedi a alguns da turma que o acolhessem e conversassem com ele. “Claro, stora!” E ficou por isso mesmo. “Então, como foi o intervalo?” Resposta: “Tudo bem, stora.”

Esta questão da integração e inclusão não é só de quem acolhe, mas também de quem é acolhido. A barreira do desconhecimento tem de ser ultrapassada por quem recebe, mas também por quem chega. A autoexclusão não é fácil para quem recebe. Esta questão da inclusão funciona de forma bilateral.

Sabemos que o encontro de culturas, de línguas, de modos de viver, de histórias, são sempre um enriquecimento pela aprendizagem que se faz e pela descoberta de novas maneiras e modos de viver e estar. Mas o primeiro passo é a vontade de incluir e de ser incluído. E quando funciona dos dois lados, pode ser que aconteça alguma coisa.

A interculturalidade é mais do que as feiras e festas de tasquinhas de comidas, que se fazem em casa ou que se compram à última da hora nos supermercados mais próximos. É mais do que espetáculos de variedades em que cada um mostra o que traz do seu país. É tudo muito giro, mas cada um que continue no seu canto.

Quais as medidas tomadas em sala de aula que promovem a interculturalidade do ponto de vista do currículo? Tem o professor autonomia para tal? Tem a escola essa autonomia? Trazer as famílias à escola sempre foi um desafio. Algumas não vêm de todo e outras não saem da escola, no sentido, em que tudo parece ser matéria para opinarem e intervirem. Como ajudar as famílias a estar no seu lugar de intervenientes na escola, é sempre um desafio.

Com as famílias dos migrantes, o desafio é a triplicar: como comunicamos, como entendemos pelo que estão a passar, e ainda a impotência para suprir necessidades básicas que têm. É, sem dúvida, um ‘problema bom’, como já referiu o ministro da Educação. A questão está em que ‘escola para todos’ não se resume a abrir a porta e deixá-los entrar, ou seja, o acesso.

O que se faz depois, para que tenham uma escolaridade de sucesso, e aprendam a ser cidadãos, é de extrema importância para o desenvolvimento social e económico a longo prazo. A educação tem de voltar a fazer a diferença na vida das pessoas, com o exercício da autonomia e com vontade de contar com a participação e influência de todos.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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