Luísa Sobral e a escolha das palavras leves

Há palavras-elefantes e palavras-rouxinóis. Umas podem pesar a vida inteira, outras fazer voar e cantar. A escolha é de quem as diz. Nossa.

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“As palavras-elefantes podem andar connosco dias, semanas, meses, anos ou até uma vida inteira” LigeiramenteCanhoto
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“Há palavras que são elefantes”; “Por mais que sejam ditas sem intenção, aterram nos nossos ombros e têm o peso do mundo” LigeiramenteCanhoto
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“Este não é um daqueles elefantes bonitos da selva, é um elefante-mochila que se cola às nossas costas e nos dá vontade de chorar” LigeiramenteCanhoto
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Capa do livro O Peso das Palavras, editado pela Framboesalecrim LigeiramenteCanhoto
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Uma conversa de Luísa Sobral numa ida à natação com a filha, tinha ela cerca de cinco anos, motivou-a a escrever este livro. Isto porque, conta a autora ao PÚBLICO através de um registo áudio, ela fazia muitos comentários sobre “o físico dos outros miúdos”, o que a angustiava: “Não sabia como lidar [com a situação]. Sabia que tinha de lhe dizer que aquilo os podia magoar, mas não sabia bem como.”

Então, escreveu este livro para ela, para que entendesse “o peso das palavras”. Depois, pensou que poderia não ser apenas para ela, mas também para outras pessoas e famílias. Quis explicar-lhes o efeito das palavras, não só das más, mas também das boas. “No fundo, não são só as palavras más que têm peso.”

Por isso, o livro começa por falar de “palavras que são rouxinóis, pousam no nosso ombro e cantam-nos ao ouvido”. Exemplos: “gosto de ti”, “tenho saudades tuas”, “que bom ser teu amigo”.

Depois, passa para as “palavras que são elefantes”. Eis algumas: “feio”, “gordo”, “parvo”. São estas que se transformam num fardo que transportamos como uma mochila, “que se cola às nossas costas e nos dá vontade de chorar”. Podem pesar-nos “uma vida inteira”.

Sobre se acha que as crianças entendem o que quer dizer com este livro, a autora-cantora não tem dúvidas: “Entendem, sim, tenho a certeza. Porque desde muito pequenos, aos dois/três anos, podem dizer ‘tu és um cocó’, para mais à frente dizerem coisas mais profundas. Lidam com isto desde muito cedo.”

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“Algumas palavras fazem-nos sentir tão felizes que podemos andar semanas inteiras com rouxinóis debaixo das orelhas” Ligeiramentecanhoto

Já recebeu relatos de pais que, depois de terem feito um comentário menos simpático aos filhos, foram advertidos pelas crianças: “Estás a dizer uma palavra-elefante!

Superapaixonada, super-simples, ​super-satisfeita

A ilustração começou por ser atribuída a outro ilustrador, “mas não correu bem”, recorda Luísa Sobral, que já assinou outro livro para a infância, Quando a Porta Fica Aberta, com ilustração de Camila Beirão e edição da Caminho. Por sugestão do marido, decidiu contactar Rodrigo Mota, de quem ele é amigo. Estava um pouco céptica e disse-lhe: “As imagens dele são maravilhosas, mas são muito adultas”, conta, mas decidiu avançar. Fez bem.

“Quando recebi as primeiras ilustrações, fiquei logo superapaixonada pela maneira como ele representava aquilo que eu tinha escrito e pela profundidade que dava ao meu texto”, afirma. Depois, foi muito fácil, ficou “só como fã, a aguardar o envio de novas ilustrações, só para desfrutar delas, a partir daí foi super-simples”.

Um último prefixo “super”. Está “super-satisfeita com o produto final”, diz. E acrescenta: “Senão, não tinha saído. As minhas coisas, os meus produtos finais são para mim aquilo que eu tenho de melhor naquele momento.”

O livro infantil como experiência sensorial

Tem muito orgulho deste livro e gosta de o levar às escolas, o que tem vindo a fazer nos últimos tempos. “Mostrá-lo como parte do meu espólio, da minha arte.”

Luísa Sobral quer ainda acrescentar: “As pessoas têm de abrir o livro e ver. Tudo foi escolhido por nós com enorme cuidado, desde a gramagem do papel à capa, para que o livro fosse uma experiência sensorial.” Acredita muito que os livros infantis são sobretudo “uma experiência sensorial”.

Considera que, para os adultos, “o mais importante é a história, como num romance, por exemplo”. No caso das crianças, “é tudo importante, a maneira como pegam no livro, como sentem as páginas, como as viram”. Todos esses aspectos foram muito pensados em conjunto, entre autora e ilustrador. “Isso faz-me ficar ainda mais orgulhosa do produto final”, conclui.

Simplificar cada ilustração até ao mínimo

Rodrigo Mota, que assina como LigeiramenteCanhoto, conta ao PÚBLICO como foi para ele “um privilégio” ilustrar este livro: “Fiquei rendido à história desde que a li pela primeira vez, pela forma simples como aborda um tema tão profundo que nos toca a todos. É belíssima.”

A simplicidade e delicadeza que atribui ao texto fizeram com que se preocupasse com que “as imagens não se sobrepusessem” a essa atmosfera.

Descreve assim o seu processo criativo: “Pela forma como o texto está estruturado, com os primeiros esboços, ficou desenhada aquela que viria a ser a estrutura final do livro: o ritmo da história e as cenas que ilustram cada frase. O que demorou mais foram as tentativas de simplificar cada ilustração até ao mínimo necessário.”

Foi depurando as imagens o mais que pôde e procurou “que passasse despercebido o facto de as ilustrações terem sido executadas num iPad, digitalmente”. O professor de Educação Visual e de Educação Tecnológica na Cooperativa A Torre queria “que, no final, o livro fosse sentido como uma produção manual, analógica”. Conseguiu.

Diz que a escolha de uma menina como protagonista surgiu naturalmente: “Talvez por a origem do livro estar relacionada com a filha da Luísa, pensámos em alguém ainda criança, antes da fase intencional do bullying, que ocorre em idades mais avançadas.”

O ilustrador acredita que os leitores se identificam com o livro, sejam crianças ou adultos: “Todos já estivemos de um lado e do outro”, a dizer o que não devíamos e a escutar o que não queríamos.

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Frases feitas de abraços: “gosto de ti”, “tenho saudades tuas”, “que bom ser teu amigo” Ligeiramentecanhoto

Que outras palavras (leves e pesadas) acrescentar?

O Peso das Palavras será apresentado neste sábado (dia 19) no Folio Ilustra, em Óbidos, às 15h, na Galeria Ogiva, por Paula Cusati, mediadora de leitura e de escrita, para quem este livro “vem lembrar-nos a todos (crianças e adultos) a importância de parar e reflectir acerca do peso das nossas palavras”.

E propõe um desafio poético aos leitores mais novos: “Que outras palavras acrescentarias a estas listas? Palavras leves: sim; sorriso; azul; folha; ... E palavras pesadas: guerra; negativa; bofetada; ...”

Paula Cusati está certa de que este livro “despertará muitas perguntas, levando certamente a boas conversas acerca do que pensamos, de como o dizemos e do efeito que as palavras que escolhemos podem ter”. Sem dúvida.

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