Terra em transe

Enquanto o mundo estremece sob nossos pés, o céu parece mais distante do que nunca. Bilionários flutuam em cápsulas prateadas, capturando selfies do espaço, e, aqui embaixo, o fogo devora florestas.

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Dias atrás, diante da previsão de chegada do Furacão Milton, na Flórida, em uma transmissão ao vivo, um meteorologista desmorona. As palavras ficam presas em sua garganta, enquanto tenta anunciar mais uma tragédia. Ele chora.

A meu ver, ele chora não apenas pelo tremor que sacudiu o solo, mas pelas rachaduras invisíveis que atravessam o mundo — aquelas que dividem, ferem e nos distanciam de nós mesmos. Seu choro ecoa o silêncio que mantemos diante de tanto caos.

“Furacões e terremotos” metafóricos abalam as fundações de nossa sociedade, forçando-nos a encarar questões profundas sobre a condição humana e nossa resposta coletiva às crises. A magnitude dos desafios nos coloca em um estado constante de alerta e incerteza.

Há uma escalada de tensões na Faixa de Gaza, com confrontos entre Israel e grupos como o Hamas e o Hezbollah, resultando em vidas perdidas e o deslocamento de civis. Desastres naturais — terremotos, incêndios florestais — devastam comunidades inteiras, agravados pelas mudanças climáticas. Refugiados e migrantes fogem de conflitos, perseguições e catástrofes naturais, enfrentando condições extremas e barreiras na busca por segurança.

A ascensão da extrema-direita, marcada pelo avanço de ideologias nacionalistas e autoritárias em várias partes do mundo, incluindo nas últimas eleições no Brasil, também nos desafia. E, ainda, a contínua luta contra o vírus da Covid-19, seus impactos na saúde global e as disparidades no acesso a vacinas.

Essas tragédias, embora distintas, estão conectadas por um fio condutor de sofrimento e tumulto global.

Enquanto o mundo estremece sob nossos pés, o céu parece mais distante do que nunca. Bilionários flutuam em cápsulas prateadas, capturando selfies do espaço, e, aqui em baixo, o fogo devora as florestas, as cidades tremem e o desespero se torna o ritmo cotidiano. Uma “fuga para além da estratosfera”, enquanto a Terra arde, literal e metaforicamente.

Apesar de tudo, quero acreditar que a arte oferece uma saída. E, quando o choro de um cientista nos lembra de nossa vulnerabilidade, é nas salas de cinema, nos teatros, nas exposições e nos concertos que encontramos consolo. A arte, de certa forma, também chora conosco, mas nos convida a olhar para além do caos, a refletir sobre o que significa ser humano neste mundo em chamas.

Esses espaços culturais são abrigos onde podemos nos sentar, olhar para dentro e nos perguntar: quem somos diante de tudo isso? Cada dança, cada filme é um convite a refletir, a sentir, a lembrar que, mesmo quando o mundo parece ruir, existe uma alma viva que não se quebra.

A arte e a cultura não são apenas um "escape", mas ferramentas de reflexão sobre o mundo. A experiência proporcionada por uma peça de teatro, um filme ou uma exposição nos ajuda a entender melhor o momento que vivemos e até mesmo a vislumbrar soluções ou formas de resistência. Esses espaços culturais são faróis, guiando-nos em meio à tempestade.

A arte pode ser esse “bunker” onde as pessoas se conectam com emoções e realidades, encontrando sentido em meio ao caos.

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