Retomo a reflexão com que terminei a newsletter da última semana: para um crente das teorias da conspiração, perdido nas suas paranóias, a maquinação que realmente se desenrola à frente dos seus olhos será a última em que irá reparar.

Pensemos num cenário digno da mais distópica obra de ficção científica. O homem mais rico do mundo controla a maior constelação de satélites do planeta, capaz de enviar e receber dados dos locais mais recônditos do globo. De caminho, está também cada vez mais perto de ter uma posição monopolista no acesso ao espaço, através da sua empresa aeroespacial.

Cá por terra, outra empresa sua fabrica e comercializa automóveis eléctricos conectados à Internet, opera a sua própria rede de abastecimento, aventura-se na exploração do futuro dos transportes colectivos e promete agora robôs humanóides, capazes de substituir um trabalhador, para daqui a um par de anos.

Outra companhia sua explora o tão promissor quanto intrigante mundo da inteligência artificial. E outra das suas empresas desenvolve e testa já implantes cerebrais em seres humanos.

O homem mais rico do mundo controla também a rede social mais influente do mundo (não a das dancinhas virais, mas aquela que políticos de todo o mundo privilegiam para chegar ao público), manipulando-a para elevar vozes amigas, censurando notícias e tópicos desagradáveis, e transformando-a no seu megafone particular, forçando quem o segue e quem não o segue a ler os seus escritos e piadas. É que o homem mais rico do mundo é também o mais sedento de atenção e elogio.

Por vezes, um qualquer país chateia-o porque alguém escreveu na sua rede social uma daquelas coisas que são desagradáveis, e pede-lhe para apagar o escrito e denunciar o seu autor. O homem mais rico do mundo, que quer ser conhecido como um corajoso combatente pela liberdade de expressão, começa por fazer um número de indignação em público mas acaba sempre por ceder discretamente aos pedidos nacionais, sejam de países vagamente democráticos ou de ditaduras descaradas. Há que pensar na abertura ou manutenção de importantes mercados para as suas empresas.

Mas todo este poder não basta ao homem mais rico do mundo, que se atira agora à conquista da capital do país mais rico do mundo. Nascido fora do dito país, está constitucionalmente impedido de o presidir. Decide então apoiar um candidato presidencial, aparecendo com ele em palco num comício, financiando comités que por ele fazem campanha, e transformando a tal rede social num permanente tempo de antena a seu favor. E o candidato, esse, até já lhe prometeu um lugar no Governo, num oportunamente abstracto comité de controlo da despesa, porque não há almoços grátis.

Na rede social do homem mais rico do mundo, a realidade é manipulada para ajudar o seu candidato a vencer as eleições. Diz-se que a economia do país está muito má, quando não está assim tão má. Que nunca houve tanto crime, quando este até está em queda. E que quase todos os males da nação são culpa dos estrangeiros, quando a verdade é sempre mais complexa. O homem mais rico do mundo também veio do estrangeiro, mas transformou-se entretanto num xenófobo no país que o acolheu.

Diz-se muitas outras coisas incríveis nessa rede social, como que os estrangeiros andam a roubar cães e gatos para os comer, ou que os socorristas que tentam auxiliar as populações atingidas por furacões gastaram o dinheiro todo com os imigrantes. Ou, pior ainda, que os socorristas estão a prender e a matar pessoas para as impedir de votar.

Diz-se também que o candidato do homem mais rico do mundo, também ele bastante rico, é o candidato dos trabalhadores, dos desfavorecidos, das vítimas dos outros ricos e poderosos. E partilham-se imagens e vídeos gerados por ferramentas de inteligência artificial para dar vida ao que não existe, para ilustrar a narrativa.

Na rede social do homem mais rico do mundo, quem tenta desmentir ou corrigir os disparates é atacado por uma turba de crédulos – que até podem não acreditar sempre no que lêem, mas que dizem que se não aconteceu, caramba, podia muito bem ter acontecido. É que o homem mais rico do mundo avisou que não se pode confiar nos políticos, nos jornalistas, nos cientistas, nos meteorologistas, nos médicos ou em qualquer outra figura outrora investida de alguma autoridade. Só ele e os seus amigos é que são de confiança.

Uma história assim, sobre dinheiro e poder, sobre implantes cerebrais, 7000 satélites, robôs humanóides, algoritmos manipulados e uma eleição comprada, podia ter tudo para ser um sucesso entre os amantes das conspirações. Mas falta-lhe um ingrediente-chave: o secretismo, o factor "aquilo que eles não querem que se saiba", o friozinho na barriga de quem julga ter desvendado um mistério nas profundezas do YouTube.

É que esta história acontece às claras. Tão às claras que escapa a quem vive de rosto mergulhado no ecrã do telemóvel e prefere acreditar em cabalas de canibais pedófilos, em chips injectados por vacinas, em antenas 5G que matam pessoas, em elites que nos querem obrigar a comer insectos e em minorias que nos querem substituir por estrangeiros.

Vendo bem, até parece que essas historietas foram criadas para distrair alguém, não é?

Mas esta história é real e o seu desfecho está em aberto. Decide-se a 5 de Novembro, aqui na América, nestas eleições presidenciais. Com mais vilões que heróis, se é que estes existem, e sem a promessa de um final feliz ou de uma lição redentora. É ver para crer.