PSP faz nova operação em zona com imigrantes. Largo de São Domingos, em Lisboa, alvo de rusga
Operação decorre dias depois da polémica rusga na Rua do Benformoso. Zona é local de encontro de imigrantes de origem africana. Agentes ligados ao controlo de estrangeiros estiveram presentes.
Quatro dias depois da polémica operação de quinta-feira na Rua do Benformoso, no Martim Moniz, em Lisboa - onde encostou à parede dezenas de pessoas numa área com grande presença de população com origem no sudoeste asiático - a PSP voltou a fazer uma rusga noutra zona da capital com forte presença de imigrantes: o Largo de São Domingos, no Rossio.
Na segunda-feira, dia 23, dezenas de agentes deslocaram-se ao Largo de São Domingos - também próximo do Martim Moniz, é uma das áreas onde de Lisboa se concentram pessoas de origem africana, muitas a vender produtos de origem dos seus países. Nas imagens que circularam nas redes sociais, como na fotografia partilhada por Ricardo Moreira no X (antigo Twitter), vêem-se os agentes à volta das pessoas, de pé.
Segundo um comunicado da PSP emitido esta terça-feira, a operação incluiu agentes da Direcção Nacional e do Comando Metropolitano de Lisboa afectos à especialidade de controlo de estrangeiros e fronteiras. Enquadra-se nos reforços da PSP "em dissuadir a prática de actividades ilícitas na freguesia de Santa Maria Maior, com o objectivo de diminuir os registos de ocorrências criminais e de promover um ambiente mais seguro para os moradores, comerciantes e turistas".
A PSP justificou ainda a sua decisão com base no mapeamento de ocorrências criminais, incluindo tráfico de estupefacientes de menor gravidade, receptação, venda ambulante não licenciada e consumo de droga, considerando os registos formais e as reclamações e queixas de insegurança. Na operação, porém, não foi apreendida droga: foram apreendidos quatro artigos, no valor estimado de 1000 euros, um telemóvel, artigos em ouro avaliados em 220 euros, 1570 euros em numerário, e 46 artigos desportivos contrafeitos, no valor aproximado de 2000 euros. Houve ainda duas notificações a dois estrangeiros "por situação ilegal", 22 autos de notícia por contraordenação com apreensões de comida, vestuário e calçado, e diversas apreensões por suspeita de crimes de receptação.
Esta operação ocorreu depois de a Rua do Benformoso ter sido fechada durante horas na quinta-feira, acção da qual resultou a detenção de duas pessoas, além de apreensão de material como sete bastões e uma faca, 3435 euros, diversos documentos por suspeita de auxílio à imigração ilegal e 581,37 gramas de produto estupefaciente, entre outros.
A actuação da PSP no Benformoso, veiculada na imagem com dezenas de pessoas de braços no ar, encostadas à parede, gerou tal polémica que deu origem a abertura de um processo administrativo pela Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) à acção das autoridades, com "solicitação de informações à PSP", avança esta terça-feira o Expresso.
Ao jornal, o inspector-geral da Administração Interna, o juiz desembargador Pedro Figueiredo, refere, no entanto, que a IGAI "não recebeu qualquer queixa por abuso policial ou algo similar". Mas a entidade decidiu, por iniciativa própria, abrir um processo.
A operação levou a uma manifestação no sábado na Rua do Benformoso, onde estiveram vários políticos do PS, Bloco de Esquerda ou Livre a distribuir cravos vermelhos. Dentro do próprio PSD, a operação gerou críticas de pessoas como José Pacheco Pereira ou Jorge Moreira da Silva.
Vinte e uma personalidades da área da política e da justiça, incluindo o ex-presidente da Assembleia da República, divulgaram uma carta aberta ao primeiro-ministro em que acusam o Governo de ataque ao Estado social e de direito. Várias organizações, como a SOS Racismo, Amnistia Internacional ou o Grupo de Acção Conjunta contra o Racismo e a Xenofobia, que reúne várias entidades, insurgiram-se contra o sucedido.
A PSP justificou-a com o facto de terem ocorrido 52 participações de crimes violentos e graves com recurso a armas brancas na zona, referiu que ocorreu um homicídio com recurso a arma branca e que foi acompanhada pelo Ministério Público. Esta segunda-feira, o Observatório de Segurança Interna, uma associação privada dedicada ao estudo das questões de segurança, validou a actuação policial referindo que a onda de críticas surgiu pelo desconhecimento das diferentes formas de actuação das autoridades, mas também ao preconceito ideológico.
No próprio dia, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, considerou "muito importante que estas operações decorram e que haja visibilidade e proximidade no policiamento e na fiscalização de actividades ilícitas". "Quanto maior for a capacidade fiscalizadora e, portanto, a capacidade de tranquilizar os cidadãos, demonstrando-lhes que a preocupação de segurança está assumida como prioridade", disse.
Também o ministro da Presidência, Leitão Amaro, corroborou a opinião. Aquela foi a terceira vez num espaço de um mês que a zona do Martim Moniz foi alvo de uma operação da PSP. Na primeira, foi identificado um único cidadão que estava em situação irregular, e enquadrava-se na operação Portugal + Seguro, na qual participam várias polícias e entidades e é coordenada pelo Sistema de Segurança Interna. Leitão Amaro referiu que havia mais operações idênticas calendarizadas pela PSP, orientadas pelo Governo. "Demos instruções às forças de segurança, à tal equipa de multiforças, para continuar a fazer esse trabalho", disse. Com a operação no Largo de São Domingos esta segunda-feira passam a quatro na mesma zona, em um mês.
Entretanto, está a ser preparada uma queixa sobre a operação no Martim Moniz à Provedoria de Justiça por um grupo de cidadãos e agendada uma manifestação para dia 11 de Janeiro, da Alameda ao Martim Moniz sob o lema "Não nos encostem à parede".