Angola, a multipolaridade e os EUA

As razões económicas e financeiras de Angola legitimam o reforço da cooperação com os EUA numa lógica de equilíbrio das relações externas.

Ouça este artigo
00:00
04:19

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

O adiamento da visita de Biden a Angola não afeta os interesses que estão em jogo.

Para Angola esses interesses estão relacionados com a divida à China, bastante elevada, maior do que a tem com a Rússia, sendo a que tem com os EUA residual. A situação económica e financeira de Angola necessita de maior investimento externo, não sendo por outro lado indiferente aos EUA a presença militar crescente do Afrika Korps, sucedâneo do grupo Wagner em vários países africanos. De igual forma, também está em causa para os EUA o quadro global de concorrência com a China.

As razões económicas e financeiras de Angola legitimam o reforço da cooperação com os EUA numa lógica de equilíbrio das relações externas, com os EUA a declararem que "Angola é um parceiro fundamental ".

Convém, porém, a propósito revisitar a História, tendo presente que em 1955 líderes da Ásia e de África promoveram em Bandung a conferência dos “não-alinhados”. Os "não-alinhados“ em África cedo se viram a braços com "guerras quentes" em conflitos de proporções de enorme dimensão por alinhamento por uma ou outra das então superpotências.

Em Angola a tensão entre os três movimentos que assumiram a luta armada com dependências alinhadas e com quem Portugal estabeleceu, a 15 de janeiro de 1975 o Acordo de Alvor, propiciaram gravíssimas consequências na guerra fratricida que se seguiu, tendo o MPLA declarado a independência em Luanda, a FNLA no Ambriz e a UNITA no Huambo.

Os acordos de cessar-fogo de Bicesse, que se firmaram a 1 de maio de 1991, de reconciliação nacional e transição para a democracia entre o governo de Angola e a UNITA, cedo resvalariam para a retoma da guerra fratricida ainda mais cruel que persistiu até 2002.

O mundo atual é hoje, multipolar, em resultado do surgimento de novas potências, mas os interesses destas não deixaram de existir, como se percebe e, desde logo, em África.

Angola que é um país com enormes potencialidades, o “não-alinhamento“ que parece pretender seguir é correto, justo e exequível, representando abertura no relacionamento externo com mútuas vantagens, sem dependência real de nenhuma grande potência.

Angola é aliás o único país de África em que as duas etnias principais, ovimbundus e ambundus, sem extensão a países fronteiriços representam mais de 70% da população. Dado que os países africanos são Estados à procura de serem nações, esta particularidade de Angola, e o facto da guerra civil nela ter envolvido durante muitos anos mobilidade permanente dos combatentes, ao colocar em contacto milhares de cidadãos de diferentes etnias, contribuiu para o reforço da identidade, facilitada pela forte difusão do português como língua de diálogo, hoje materna.

Convém igualmente registar que os compromissos já assumidos pelos EUA em relação a Angola, ao envolverem a realização em junho de 2025 em Luanda da 17ª. Cimeira de Negócios EUA/África, levando Angola a nomear a comissão respetiva presidida pelo Ministro de Estado José Massano, são positivos na lógica do reforço dessa identidade nacional. Acresce que, os EUA estarão presentes no projeto de “desenvolvimento do corredor do Lobito”, rede ferroviária com mais de 1.300 km até Luau, com propósitos claros de prosseguir para a Zâmbia e Tanzânia, ligando o Atlântico ao Índico, ainda na expansão da Rádio Nacional de Angola, energias alternativas, digital e estado de Direito.

Neste último domínio ligado à consolidação da democracia, importa também retirar consequências da experiência recolhida desde a implosão da ex-URSS, particularmente na universalização do conceito de democracia que se lhe seguiu por todo o mundo. A universalização da democracia foi muitas vezes limitada ao princípio de que a cada cidadão corresponde um voto, o que agravou conflitos, sobretudo em África, por não se ter em atenção a introdução de molas amortecedoras para a sua defesa.

Mandela compreendeu como ninguém esta evidência, consensualizando a fase de transição para um governo de maioria, consignando a existência de um vice-presidente da República que saísse do segundo partido mais votado a que o governo a constituir deveria ainda integrar todos os partidos que obtivessem mais de 5% dos votos. Por isso, a nomeação para ministro da Administração Interna de Buthelezi, do Partido Inkatha, e a eleição de De Klerk para vice-presidente da República.

Angola, que para o ano celebrará o 50º. aniversário da independência, tem todas as condições para evitar “desconseguir”, retirando os ensinamentos da sua própria História, através de um “não alinhamento” sempre na defesa e aprofundamento da democracia, constituindo assim um exemplo antes de mais para África.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Ler 3 comentários