A melhor coisa que fiz pela minha filha, foi...

No meu caso, a terapia permitiu-me ressignificar as minhas experiências iniciais e construir uma nova narrativa sobre mim mesma, livre das amarras do passado.

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"Ao cuidar das nossas feridas, estamos, na verdade, a quebrar este ciclo intergeracional de sofrimento" Pixabay/pexels
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Gosto de pensar que todos nós pais queremos o melhor para os nossos filhos: desde as necessidades básicas como um teto, comida na mesa e afeto, até às necessidades mais complexas como acesso às melhores escolas, proporcionar-lhes as melhores experiências, etc., no fundo, garantir-lhes o melhor futuro possível. Mas, e se eu lhe disser que nada disto importa — à exceção do cumprimento das necessidades básica —, e que genuinamente e olhando para trás, considero que a melhor coisa que fiz pela minha filha foi fazer a minha psicoterapia?

Não só da minha experiência pessoal mas também da minha experiência clínica nas caminhadas conjuntas que fiz ao logo dos anos e continuo hoje a fazer com as pessoas que me dão o privilégio de serem meus pacientes, de nada importa ter tido uma infância num berço de ouro, ter frequentado as melhores escolas, ser o menino ou a menina mais inteligente, ou com as melhores notas se a saúde mental não for atendida, cuidada e acima de tudo prevenida. E está ao nosso alcance enquanto pais fazer este seguro aos nossos filhos: a nossa própria psicoterapia.

A minha análise teve início há muitas décadas, ainda eu nem sonhava com filhos. E não, não é um processo fácil, é duro e na minha memória ainda encontro a sensação estranhíssima de ficar sessões após sessões com as orelhas literalmente inundadas das lágrimas que corriam sem fim à vista. Foram quatro anos duros de quatro vezes semanais que visitava a minha psicanalista e lhe “vomitava” a minha estória, sessão após sessão, mas foram também, já para o fim, os melhores anos em que experienciei a leveza de não mais carregar traumas que não me pertenciam, a sensação de deixar para trás amarras invisíveis e definitivamente das sensações mais libertadoras que a psicoterapia tem para nos oferecer.

A psicanálise ou a psicoterapia analítica oferece-nos uma lente poderosa para compreender como as experiências da infância moldam a nossa personalidade e influenciam as nossas relações, o nosso sucesso e a nossa vida. Através da análise das minhas próprias vivências, identifiquei padrões repetitivos de comportamento e consegui eliminá-los que de outra forma se perpetuariam nas minhas interações com a minha filha. A teoria psicanalítica permite-nos compreender como as feridas não curadas da nossa própria história são transmitidas inconscientemente para a próxima geração.

E essa transmissão começa logo bem cedo, desde a gravidez. Os estudos sobre a primeira infância mostram-nos a importância da relação mãe/bebé para o desenvolvimento psíquico do indivíduo. A qualidade desse vínculo inicial estabelece as bases para a construção de um self seguro e autónomo. Quando esse vínculo é comprometido, a criança pode desenvolver padrões relacionais disfuncionais que se repetem ao longo da vida. No meu caso, a terapia permitiu-me ressignificar as minhas experiências iniciais e construir uma nova narrativa sobre mim mesma, livre das amarras do passado.

Ao longo da terapia, fui desvendando camadas de emoções reprimidas, medos e ansiedades que hoje me impediriam de estar plenamente presente na vida da minha filha. E hoje através da análise dos meus pacientes, dos seus sonhos, dos seus lapsos de linguagem e das suas reações emocionais, eles conseguem compreender como as suas próprias inseguranças e traumas interferem na sua capacidade de criar um vínculo seguro e amoroso com os seus filhos.

Lembro-me de uma paciente que, durante a psicoterapia, relatou sentir uma grande dificuldade em estabelecer limites com a sua filha adolescente, aquela idade difícil... Através da análise das suas próprias experiências de infância, ela percebeu que tinha crescido num ambiente onde os seus próprios limites não eram respeitados. Na psicoterapia, ela foi capaz de identificar e trabalhar os sentimentos de culpa e de medo de rejeição que a impediam de ser mais firme com a filha. Ao estabelecer limites mais claros, a relação entre mãe e filha acabou por se fortalecer, baseada no respeito mútuo e na comunicação aberta.

Outro exemplo que me vem à mente é o de um paciente que sentia uma grande dificuldade em demonstrar afeto pelo seu filho. Ao longo da psicoterapia descobriu que, na sua infância, tinha sido privado de demonstrações de afeto por parte dos seus próprios pais. Essa falta de afeto gerou uma grande insegurança e inconscientemente levava-o a acreditar que não era merecedor de amor, nem do seu próprio filho. Com o trabalho a dois que a psicoterapia representa, foi capaz de superar essa crença limitante e aprender a exprimir o seu amor de forma mais espontânea e genuína.

Na terapia temos a oportunidade de elaborar esses traumas, de encontrar um novo significado para as nossas experiências dolorosas e de desenvolver ferramentas para lidar com as nossas emoções de forma mais saudável. Ao nos tornarmos mais consciente de nós próprios, conseguimos estabelecer limites mais claros, expressar os sentimentos de forma mais assertiva e oferecer aos nossos filhos, um modelo de como lidar com as próprias emoções.

É difícil explicar o que se sente quando se faz psicoterapia analítica e normalmente só quem por ali passa consegue perceber algumas nuances como, por exemplo, a importância da relação com o analista, onde conseguimos reviver e elaborar emoções e conflitos que estavam adormecidos porque aquela relação nos permite fazer isso de forma protegida.

E, porque é que eu digo que este é melhor seguro de vida para os nossos filhos, no qual devemos investir? Porque ao cuidar das nossas próprias feridas, estamos, na verdade, a quebrar este ciclo intergeracional de sofrimento.

Acredito que a saúde mental é um bem precioso que deve ser cuidado e valorizado. Ao investir em nós mesmos, estamos a investir no bem-estar das nossas famílias e da sociedade como um todo. A psicoterapia não é apenas uma ferramenta para tratar doenças mentais, mas sim um caminho para o autoconhecimento, o crescimento pessoal e a felicidade.

A decisão de iniciar uma análise foi, sem dúvida, um dos momentos mais importantes da minha vida. Ao cuidar de mim mesma, eu estava, sem o saber na altura, a oferecer o melhor presente possível à minha filha: a oportunidade de crescer num ambiente emocionalmente saudável e seguro. A psicoterapia proporcionou-me a oportunidade de romper com padrões disfuncionais e de construir uma relação mais saudável e significativa com a minha filha.

Se está a considerar iniciar uma terapia, eu não posso deixar de o felicitar e encorajar a dar este passo. O caminho pode ser desafiador e por vezes tortuoso, mas os benefícios são incomensuráveis.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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