Cristina Kirchner quer liderar oposição a Milei, mas o seu futuro depende da justiça

A ex-Presidente da Argentina candidata-se a líder do Partido Justicialista, mas foi condenada a seis anos de prisão e está impedida de concorrer a cargos públicos, decisão à espera de recurso.

Foto
Cristina Kirchner já foi Presidente e vice-Presidente da Argentina Agustin Marcarian
Ouça este artigo
00:00
03:55

A mulher que mais cargos já ocupou na Argentina — deputada, senadora, Presidente e vice-Presidente, além de primeira-dama — voltou à ribalta ao anunciar que vai disputar a liderança do Partido Justicialista (PJ), herdeiro do peronismo, para liderar a oposição a Javier Milei, cuja popularidade está em queda e é alvo de forte contestação nas ruas. Cristina Kirchner, porém, vai ver o seu futuro político ser decido pela justiça quatro dias antes das eleições internas no partido.

Tudo está a acontecer ao mesmo tempo: Kirchner anunciou a sua decisão de se candidatar à liderança do PJ no mesmo dia em que o Tribunal Federal de Cassação Penal, a mais alta instância judicial criminal do país, marcou para 13 de Novembro a leitura pública da decisão final sobre o processo Estradas, em que foi condenada a seis anos de prisão e à perda do direito de ocupar cargos públicos no país.

Em Dezembro de 2022, um tribunal de primeira instância considerou-a culpada de gestão fraudulenta em prejuízo do erário público quando era Presidente e, como pena acessória, retirou-lhe para sempre os seus direitos políticos, não podendo concorrer a qualquer cargo público. O Tribunal Federal pode decidir tanto o aumento de pena quanto a sua redução ou mesmo anulação total.

Horas depois de o Tribunal Federal ter rejeitado todos os seus recursos de defesa e marcado a leitura da sentença final, Kirchner publicou na rede social X uma carta aberta de cinco páginas, com fortes críticas à gestão de Milei e ao estado do país, que se encontra sob um pesado resgate do FMI (Fundo Monetário Internacional), assim como uma resenha histórica em que faz o elogio do peronismo e apresenta as linhas programáticas do que deve ser o PJ no futuro.

Na final, assume estar disponível para a liderança do partido, após vários dirigentes kirchneristas (incluindo o seu filho, Máximo Kirchner) terem sustentado na semana passada que Cristina seria a pessoa indicada para presidir ao partido. “Estou disposta, mais uma vez, a aceitar o desafio de debater em unidade porque se algo também tenho clareza é que aqui não sobrou ninguém”, escreve, numa alusão ao vazio de poder em que o partido se encontra, depois da renúncia do ex-Presidente Alberto Fernández (2019-2023), que deixou o cargo em Agosto após ser denunciado por violência doméstica pela sua ex-mulher.

Para Kirchner, “a unidade precisa de direcção e projecto para construir o melhor peronismo possível numa Argentina que se tornou impossível para a maioria dos seus habitantes”. Para isso, propõe: “Conceber o nosso partido como o instrumento que deve dar o primeiro passo para reagrupar todas as forças políticas e sociais por trás de um programa de governo que devolva a esperança a esta Argentina imersa na crueldade e no ódio dos tolos e no orgulho de ser” argentino.

“Nunca ocupei um cargo sem ter a certeza de estar qualificada para a tarefa que me foi confiada; sem medo ou pressão”, frisou. Porém, se o Tribunal Federal confirmar a condenação no processo Estradas e mantiver a pena acessória de perda de direitos políticos, Cristina Kirchner não poderá candidatar-se contra Javier Milei nas presidenciais de 2027 e a sua liderança do PJ será sempre frágil e susceptível de ser apontada como a primeira Presidente da Argentina condenada por corrupção.

Para já, o anúncio da sua provável candidatura foi recebido com sentimentos mistos de agrado e desconfiança. Se por um lado recebeu apoios de vários quadros peronistas, por outro motivou já a demissão do partido de um seu antigo ministro e actual deputado, Florencio Randazzo, por considerar que a ex-Presidente quer transformar o peronismo numa “monarquia” e não querer participar num “jogo que só beneficia o Governo”.

O único candidato que se tinha apresentado até agora, o governante de La Rioja, Ricardo Quintela, anunciou que não desiste da candidatura: “Também quero debater em unidade. Acredito, assim como @CFKArgentina, que não sobrou ninguém aqui e também meu projecto é liderar um processo de união, com todos dentro. Acredito na Cristina e claro que acredito nas minhas próprias convicções. Digo a todos os colegas do @p_justicialista das províncias que me enviam as suas mensagens: estou a avançar e continuarei a encontrar-me cara a cara convosco em todos os cantos do país”, destacou na rede social X.

Sugerir correcção
Comentar