Numa qualquer noite de 2023, estávamos no Bairro Alto à porta de um daqueles bares em que a ida a casa de banho se torna num jogo de Laser Maze em que não podemos tocar em nada, senão morremos (de nojo). A começar pela maçaneta semimolhada e a acabar no chão duvidosamente encharcado, do qual tentamos proteger as nossas calças enquanto nos agachamos para tentar cumprir a missão impossível.
Nesse dia, tinha estado a ver um mapa online que mostrava todas as embarcações presentes nos oceanos no momento de consulta. Comentei com o meu ex-colega de faculdade e o seu amigo que fiquei perplexa com a quantidade de navios de carga e petroleiros que apareciam no mapa. Em vez de um "quantos eram", a resposta que recebi do amigo do amigo foi: “Nunca pensei ouvir este comentário vindo de uma mulher!”. Podem imaginar qual foi a minha resposta, que escondeu mal a minha indignação: “O que queres dizer com isso?”.
O amigo do amigo explica que as mulheres têm tendência para falar sobre outras pessoas enquanto os homens estão mais inclinados a falar sobre coisas. Se por “coisas” se entende o mercado de transferência de futebol, ainda bem que nasci mulher. Enfim, como não tinha factos para contra-argumentar, fui pesquisar. De facto, com base nas minhas experiências pessoais, esta afirmação não era necessariamente errada, mas haveria uma razão biológica para isto ou estava simplesmente perante um mito urbano e sexista?
Numa curta pesquisa encontrei vários estudos que suportavam esta afirmação, por exemplo:
- Robin Lakoff (1970): As mulheres são mais propensas a falar sobre tópicos pessoais e relacionais e os homens tendem a focar-se mais em tópicos impessoais;
- Deborah Tennant (1990): Os homens tendem a utilizar o diálogo para estabelecer estatuto e reportar informação, enquanto as mulheres utilizam mais a conversa para desenvolver e manter relações;
- Leaper & Ayres (2007): Um estudo que analisou 70.000 diários de 400 famílias concluiu que as mulheres falam mais frequentemente sobre os seus filhos e eventos sociais.
Vários estudos sugerem que estas diferenças podem ser justificadas pela maneira como os rapazes e raparigas são socializados desde a infância, e como é esperado das raparigas que tenham um papel de cuidadoras, enquanto os homens são encorajados a ser competitivos. Por outro lado, encontrei também um estudo que reporta diferenças encontradas entre os cérebros dos homens e das mulheres, nomeadamente entre as conexões entre os hemisférios que podem justificar a melhor integração de informação social e emocional nas mulheres, e um melhor processamento de objectos e sistematização nos homens.
Não tenho conhecimento para avaliar a validade destes estudos, nem as suas conclusões, mas é factual que, na sociedade onde vivo, as mulheres e os homens são criados e tratados de forma diferente, e isso posso verificar em primeira mão. Aqui vai um exemplo: na véspera do casamento de uma amiga, a noiva e as madrinhas decidiram ir para o quarto fazer uma máscara facial, enquanto os homens ficaram no jardim a jogar spike ball. Eu preferi ficar no jardim, onde a certa altura um padrinho me pergunta se quero jogar spike ball enquanto diz aos amigos: “A Inês é um gajo, pode jogar connosco”. Não sei se ele estava com medo da desaprovação dos amigos, ou se quis garantir que eu sabia que era suficientemente boa para jogar, tão boa que me comparava a um homem.
Não digo que os homens não sintam discriminações semelhantes. Quantas vezes já ouvi que “Somersby é bebida de gaja” quando vejo um homem a pedir uma. Sejam as nossas diferenças explicáveis por fatores psicológicos, sociais ou biológicos, a censura das escolhas, ações ou temas de conversa uns dos outros não nos permite desenvolver para fora da caixa onde somos postos à nascença.
Pessoalmente, gostava que os grupos de raparigas que me integro falassem mais sobre temas — não sei quanto mais sumo podemos tirar de outfits de casamento. Na verdade acho que eu ainda tenho muito para aprender — no outro dia aprendi o que é uma mantilha — mas ainda assim, espero um dia já não ver, nem ir, a jantares de grupo em que as mulheres vão para um lado da mesa e os homens para o outro.