Moon Music, dos Coldplay: uma banda especialista em soar completamente indistinta

Um álbum desconcertante, banal, com letras de uma pobreza constrangedora. Moon Music é editado nesta sexta-feira.

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Moon Music é o 10.º álbum dos britânicos Coldplay Anna Lee Highres

Talvez já muito de nós o esperássemos. Nem por isso, no entanto, Moon Music deixa de ser um álbum desconcertante. E não desconcertante porque os Coldplay criaram um objecto bizarro e inesperado, mas porque mergulham fundo numa absoluta superficialidade, como se tivessem desistido de qualquer propósito artístico ao criarem música nova. Se há uma denotada tendência para um tom épico em quase tudo o que fazem hoje, renovando de forma automática todos os anos a sua candidatura a “novos U2”, a verdade é que sempre existiu nos irlandeses uma demanda por aquilo que a música pop pode ser. Nos Coldplay, e após um álbum de estreia (Parachutes, 2000) que tinha suficientes motivos para se acreditar em feitos futuros, o caminho tem sido sempre a descer, numa relação inversamente proporcional à sua popularidade.

Moon Music é um álbum desconcertante, então, pela enorme banalidade a que se entrega, letras de uma pobreza constrangedora (“You’ve got all my love, whether it rains or pours, I’m all yours” é o desgraçado refrão de All my love), arranjos de um sistemático mau gosto (é difícil imaginar piores opções para Iamm, clichés dos anos 80 colados uns aos outros, ou para a tentativa de fazer uma pop “moderninha” em We pray). Mas é também, num outro sentido, um álbum concertante. Ou seja, e permitindo-nos o trocadilho, é um disco que parece, desde o primeiro segundo, ter sido gravado a pensar na forma como vai viver em palco.

Expliquemos: Moon Music arranca com um tema homónimo, sintetizadores e cordas lacrimejantes, a anunciar uma epopeica história de ficção científica cheia de sentimentalismo e produzida por um grande estúdio de Hollywood – daquelas em que um investigador dedica a sua vida a explorar o espaço, ao mesmo tempo que procura fazer as pazes com qualquer trauma familiar, implicando sempre o gesto metafórico de buscar “lá fora” aquilo que tenta alcançar dentro de si, a decifração do Universo e um sentido para a perda numa só cajadada. Ouve-se os primeiros minutos e o reflexo físico é o de deitar a mão a um balde de pipocas (caso faça parte dos hábitos do espectador/ouvinte). E não se fica por aí: quase dá para adivinhar os momentos que foram pensados para a chuva de confetti que acontecerão depois em palco e o final com a projecção do planeta com o qual devemos sintonizar-nos no nosso dia-a-dia – enquanto Chris Martin canta, com a toda a emoção, “only one world”.

Moon music, a canção de abertura, desenvolve-se depois para uma muito pouco impressionante balada ao piano, antes de dar lugar ao primeiro tema a apontar para a dimensão dos estádios, Feelslikeimfallinginlove, igual a qualquer outra canção pop escutada nas últimas quatro décadas (um pouco de U2, um pouco de George Michael, um pouco de Katy Perry). E esse é um estranho campeonato em que os Coldplay parecem ter-se especializado: o de soarem completamente indistintos. Parece tudo igual àquilo que já antes se ouviu noutro lado.

Não melhora quando os Coldplay tentam juntar-se ao comboio r&b contemporâneo e afro beats com as participações de Little Simz (que bem tenta salvar o tema), Burna Boy, Elyanna e TINI em We pray. E talvez pior mesmo quando em Goodfeelings ou em Aeterna os põem um pezinho no disco sound e ficam à espera de que (por hipótese) David Guetta os ajude a dar o passo seguinte. Goodfeelings, com qualquer coisa de Justin Timberlake para crianças, parece estar já a reservar o seu lugar na banda sonora do próximo capítulo de Gru – O Maldisposto.

O cenário é um pouco menos perturbador em Rainbow (chamemos-lhe assim para traduzir o desenho de arco-íris que dá título ao tema), quando os Coldplay parecem aproximar-se do início da carreira (e de uns JJ72 que, surgidos na mesma altura, e bem mais interessantes, foram de curta duração), passando depois para uma atmosfera ao jeito dos Sigur Rós e, por fim, estragar tudo, ao cair no erro de encaminhar o tema para uma esplanada com pôr-do-sol e spritz alaranjado. E depois há “a mais Coldplay de todas”, a certinha, mas simpática Jupiter, com um laivo de Peter Gabriel via Real World nos coros.

Moon Music começa como um filme e comporta-se como um filme. Um feel good movie. Afinal, dizem os próprios Coldplay, este disco é “a forma como tentamos manter-nos positivos num mundo em que parece haver tanta negatividade”. É um disco em negação, portanto. Ou um comprimido de felicidade oferecido aos fãs. Podem abrir as pipocas. Vai tudo acabar bem – ou talvez não.

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