Coldplay, primeiro round em Coimbra: chuva de balões, luzes, confetti e hits
Primeiro de quatro concertos em Portugal foi tudo o que se espera desta banda no contexto em que é mais forte: o palco. Público mostrou-se feliz, mesmo quando o alinhamento derrapava ligeiramente.
Esta quarta-feira, em que os Coldplay finalmente deram o primeiro de quatro aguardadíssimos concertos em Coimbra, passámos o dia a ver gente de todas as idades na cidade académica. Muitas adolescentes e bastantes grupos de jovens adultos, mas também uma quantidade não insignificante de casais de meia-idade, alguns dos quais vieram sem a criançada — portanto, de livre vontade e não meramente cumprindo obrigações parentais.
Podemos pensar que isto é, em parte, reflexo daquele que tem sido o percurso do grupo britânico desde a sua formação, no fim do século XX. Os Coldplay dos primeiros anos, uma banda já com uma sensibilidade pop, claro, mas ligada também a uma espécie de rock, pedindo emprestadas direcções a bandas como os U2, muito reverenciados por Chris Martin e seus camaradas, não são os Coldplay dos anos mais recentes. Estes últimos têm colaborações com o já falecido Avicii, DJ conhecido do lado mais comercial da música de dança da última década, ou os BTS, nome grande do universo K-pop. Estão mais dispostos a interagir com novas sonoridades, outrora vistas como improváveis.
Tais sonoridades terão ajudado a atrair um público que não andava por cá, quando, no Verão de 2000, foi lançado o sucesso Yellow, tema-catapulta de um grupo que depois disso nunca mais olhou para trás. Também afastaram muitos fiéis do início, é certo, mas não todos. Esta quarta-feira, isso foi visível.
A multiplicidade de idades num concerto dos Coldplay faz sentido por, pelo menos, um outro motivo que nos parece mais ou menos evidente: uma actuação desta banda é como um espectáculo de circo. O fogo-de-artifício, a tempestade de confetti, os balões... É tudo uma experiência sensorial construída para entreter até quem não acha assim tão geniais os temas que estão a ser tocados. As pessoas que saem de um concerto dos Coldplay saem eufóricas, rendidas a todo o aparato visual que lhes foi dado a saborear.
Em Coimbra, neste primeiro de quatro rounds, a história não foi diferente. Os truques de magia que os ingleses trouxeram consigo encheram as medidas de um público que, também ele, encheu o Estádio Cidade de Coimbra. E, claro, houve também as músicas: o dia foi de sol, mas à noite choveram hits, antigos e recentes, que o vocalista Chris Martin teve o prazer de cantar com cerca de 50 mil almas conhecedoras.
A festa começou cerca de duas horas antes da subida ao palco da atracção principal. Por volta das 19h15, ainda o sol brilhava intensamente — pessoas menos precavidas puseram-se a pedir um pouco de protector solar a amigos/as com mais jeito para antever problemas —, surgiu na tela gigante uma contagem decrescente. “Três, dois, um...”, gritou o público, já com a energia nos píncaros. Não foi Ano Novo; foi Bárbara Bandeira, a subir ao palco para o primeiro concerto de abertura da noite.
Durou apenas 20 minutos, a actuação em que mostrou um pouco da sua pop acústica de escuta bastante acessível, feita muito a pensar nas ondas hertzianas e nas playlists de plataformas de streaming. “Não imaginam como estou nervosa (mas feliz) por abrir para os Coldplay”, diria a cantora, antes de prometer que se juntaria ao público depois da sua actuação para ver a banda de Chris Martin. Agradeceu “muito, muito, muito” aos ingleses pelo convite que lhe fizeram.
A pop orelhuda de Griff, ora confiante e mexida, ora mais vulnerável, compôs o segundo e último concerto de abertura. A jovem inglesa, que homenageou Whitney Houston com uma versão de I wanna dance with somebody (who loves me), também não poupou nos elogios à banda que todos estavam ali para ver. “Estão prestes a ter a melhor noite das vossas vidas”, disse.
Para muitos dos que viram o concerto, terá sido, no mínimo, uma forte candidata a tal título. Dizemos isto, porque o público não se cansou de cantar com Chris Martin, de brindar a banda com palmas e mais palmas, de se deixar contagiar pela armada de explosões e luzes, tantas luzes, que voaram de Inglaterra para Portugal com a banda.
Começou logo no início do espectáculo a grandiosidade de tudo aquilo. Ainda nem havíamos escutado dois minutos de Higher power, tema de Music of the Spheres (2021) — álbum mais recente da banda e razão de ser da actual digressão mundial —, e já estava o fogo-de-artifício a tomar conta das operações. “Let me entertain you” (Deixem-me divertir-vos), pede, naquele que é um dos seus muitos temas conhecidos, Robbie Williams, outra estrela pop que actuou recentemente em Portugal — e que no final do mês volta para novo concerto, desta feita no North Festival, na Alfândega do Porto. Chris Martin e os seus compadres — Jonny Buckland na guitarra, Guy Berryman no baixo e Will Champion na bateria — não pedem permissão; entram logo a matar.
Isto é verdade tanto no que diz respeito à componente visual da performance, como no que concerne ao alinhamento. Depois de Higher power, seguiram-se as melodias dançáveis de Adventure of a lifetime e os cânticos de Paradise, overdose de pop teimosamente optimista. De cócoras, e usando pulseiras com o azul e amarelo da Ucrânia, Martin pediu ao público para se agachar e sussurrar com ele: “This could be para-, para-, paradise.” Religiosamente, obedeceu-se ao mestre-de-cerimónias — que por esta altura também já tinha uma bandeira de Portugal presa às calças.
Claro que o frontman tentaria dizer um par de frases em português, ele que faz sempre um esforço para comunicar com o público na língua do país onde está. “Nossa família portuguesa”, diria, rindo-se do seu português rudimentar. “Estamos muito felizes por estar aqui em Coimbra convosco”, acrescentou, agradecendo a todos pelo “esforço” que fizeram para dedicar a sua quarta-feira aos Coldplay.
De volta à música. Falámos em chuva de hits, não falámos? Os álbuns que os Coldplay vêm fazendo desde pelo menos os anos 2010 podem ter fraquezas várias, mas a banda foi acumulando um repertório de sucessos tão grande que os seus concertos são compilações com plateia. The scientist, Viva la vida — canção cujas melodias muitos passaram a tarde e o início da noite a entoar —, Yellow, Clocks, Sky full of stars, a mais recente My universe... Com tanto refrão para lá de famoso, é fácil montar um alinhamento daqueles que conquistam estádios. Chris Martin passou a noite com o público na mão. Nada a que não esteja habituado — goste-se de Coldplay ou não, é um frontman carismático.
Não foi um concerto imaculado. O alinhamento teve a sua dose de momentos escorregadios. Midnight, com a sua electrónica minimalista, é uma música muito interessante do inconsistente Ghost Stories (2014); ouvi-la numa versão nada minimalista, mergulhada em batidas derivativas, foi no mínimo decepcionante. The man who swears, demo da era Viva la Vida or Death and All His Friends (2008), ficou de fora desse álbum por algum motivo.
Também houve momentos em que a apresentação visual se aproximou em demasia da infantilidade — estamos a pensar, por exemplo, no fantoche Angel Moon, que nos concertos desta digressão aparece esporadicamente para “cantar” com Chris Martin, e nas cabeças gigantes que os quatro músicos ostentaram na hora de tocar Something just like this.
Mas os aplausos do público foram uma constante. E para um jovem a noite foi particularmente memorável. Ainda numa fase mais ou menos precoce do concerto, Chris Martin reparou no cartaz de um rapaz que pedia ao vocalista para o ajudar a concretizar um “sonho de vida”. O frontman atendeu ao desejo: convidou-o a subir ao palco, onde o fã se sentou ao piano e tocou The hardest part, música do álbum X&Y (2005). “Não aceleres muito”, brincou o britânico com o jovem, que veio de Lisboa para ver os Coldplay. “Vamos lá, sem ensaio”, acrescentou, antes de cantar o tema.
A meio do concerto, Martin (agora falando em inglês) endereçaria novo agradecimento aos milhares de fiéis: “Até agora, esta tem sido a nossa melhor experiência em Portugal. Obrigado por serem tão incríveis. São perfeitos enquanto público, obrigado por nos fazerem sentir tão incríveis.”
Momentos posteriores de interacção com os fãs aconteceram quando o alinhamento chegou a Sky full of stars. A banda estava prestes a chegar à conhecida parte da música em que ela sobe de intensidade, quando de repente parou. Após uma pausa de um minuto, Martin explicou: “Por favor, sem telemóveis.” Pediu um momento de “conexão” total. E o público aceitou parar de gravar todo aquele espectáculo de luzes azuis e brancas durante alguns minutos.
Já no encore, uma mensagem de solidariedade. A banda pediu ao público para “enviar amor”: “Para a Ucrânia, a Rússia, a China, a tua avó, a tua irmã, o teu cão, o teu amigo, qualquer pessoa que possa estar a precisar de energia.” Martin cantaria depois “Coimbra tem mais encanto na hora da despedida...”, antes de mandar o público para casa com Humankind e, claro, outra inevitável, Fix you.
Depois de uma última ronda de fogo-de-artifício e confetti, tanto confetti, surgiria uma mensagem na tela gigante: “Believe in love.” (“Acreditem no amor.”) A mensagem mais Coldplay possível, numa noite conimbricense em que, efectivamente, foi com amor que foram recebidos.