Vamos “aprender a não fazer nada”
“Não os ponham em atividades até que consigam ir pelo próprio pé, o que, desde logo, vos levará a poupar em inscrições..”
Querida Mãe,
STOP! a todas as mães do mundo que estão neste segundo a escolher atividades extracurriculares para os filhos — é altura de parar e ler este texto primeiro!
Acho que nestas Birras podemos tentar passar às mães mais inexperientes alguma da sabedoria que fomos acumulando à nossa custa. Foi o que a mãe fez comigo. Mas eu ignorei obviamente os seus conselhos, porque faz parte do meu papel de filha e estava convencida de que ia ser a melhor supermãe do mundo. Pior, que isso me faria feliz. Mais grave ainda, acreditei que faria felizes os meus filhos.
Erro de principiante. Não fez e não faz. Pura e simplesmente esgota-nos a todos e, para além disso, dá-lhes um péssimo exemplo, passando-lhes a ideia de que temos de ter a “agenda” sempre cheia, numa ânsia de perfeição.
O seu conselho era, se bem me lembro: “Não os ponham em atividades até que consigam ir pelo próprio pé, o que, desde logo, vos levará a poupar em inscrições. Ainda por cima em atividades em que, na verdade, não estão realmente muito interessados.”
Acrescento-lhe agora o meu: “Se, apesar do aviso, sentirem que devem mesmo avançar, apliquem a este impulso o mesmo princípio que deve nortear qualquer excursão ao supermercado: nunca o façam com fome, porque senão trazem de lá o carrinho cheio. Ou seja, não inscrevam os vossos filhos em atividades, quando se sentirem descansadas.”.
Explico melhor: regressaram de férias com aquela excitação de início de um novo ano letivo? Então, decididamente, não é a altura de o matricular em nada. É que, de baterias carregadas, convencemo-nos de coisas como “É muito prático, afinal o ginásio é só a vinte minutos de casa”, “Que diferença faz a aula de ténis começar às 19h30?” ou “Vou direta da escola para as aulas de sapateado da mais velha e, enquanto esperamos, aproveito para fazer os T.P.C. com os mais novos”.
É tudo mentira! Vai custar-vos horrores, e aos vossos filhos também.
Sendo assim, é importante que escolham as atividades extracurriculares quando estiverem muito, muito cansadas. Em julho, por exemplo! E depois, sim, comprometam-se (ou não), tendo bem presente o cansaço que dá repetir a tarefa, não uma, nem duas vezes, mas TODAS as semanas; com a consciência de que inscrevê-los no futebol, implica torneios TODOS os fins-de-semana. Que esperar por um, com os outros no carro, é um inferno. E que, chegar a casa às nove da noite, ainda com tudo por fazer, é uma receita para a desgraça, e a fatura vai ser-vos apresentada logo na manhã seguinte.
Escolham cansadas! Para que seja uma escolha realista, evitando atolar os nossos filhos com horários loucos, que não os vão tornar em Cristianos Ronaldos, mas sim em monstrinhos maldispostos, exaustos e stressados. Boa sorte.
Querida Ana,
Que alegria verificar que os meus conselhos acabaram por servir para alguma coisa. Tenho que te confessar que os herdei da minha mãe, que os aplicou comigo e com o meu irmão, provavelmente porque tivemos a sorte de ter nascido em sétimo e oitavo lugar, quando ela já sabia muito. O resultado foi que esperámos impacientemente para chegar à tal idade em que podíamos ir sozinhos. Não é garantia de que nos apliquemos à atividade com que sonhámos — eu desisti de várias! —, mas pelo menos já tínhamos brincado muito, sem essas correrias de fim de tarde.
Desconfio que haverá mães que nos vão acusar de estar a advogar uma pedagogia de preguiça e de egoísmo, porque fazem um esforço pessoal extraordinário para garantir aos filhos mais oportunidades, fortalecendo-lhe o curriculum vitae que, um dia mais tarde, lhes abrirá muitas portas. E, Ana, talvez tenham razão, e sei que o fazem com a melhor das boas intenções, mas diz-me a vida que a pressão sobre os miúdos não dá bons resultados. Sobretudo quando estas agendas sobrelotadas não têm por objetivo espairecer ou libertar energias, mas criar novos palcos de competição e stress.
Dito tudo isto, Ana, acabo com uma birra contra o facto de faltar em muitas escolas públicas, sobretudo no ensino básico, um maior investimento na Arte e na Educação Física, levando muitos pais a sentir que têm de suprir essa falta fora de horas.
Adeus e bons fins de tarde a recarregar baterias e a “Aprender a não fazer nada”, que é das actividades extracurriculares mais importantes e mais difíceis de dominar.
O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990.